O Capitão náufrago

Estou fora do barco, a vê-lo afundar-se. Não são 4.229 pessoas, mas uma só, que está a morrer aos poucos.
Fui o Capitão, em todas as marés da vida. Suportei o calor abrasador das tentações, a brisa suave da alegria, os tumultos tempestuosos das vagas deste mar passageiro de dias.
Fui o Capitão que, a convite do dono, subiu para o barco e tomou o comando. Tracei o rumo dos seus dias, apanhei as melhores correntes, lancei a bom tempo as velas, vaguei pelo Mapa dos mapas até ao melhor dos destinos.
Fui o Capitão sem gancho, mas agiu com permissão, que celebrou a libertação do Opressor, âncora destruidora da mais preciosa jóia do universo: aquela vida.
Mas o encanto passou. Com o tempo, deixei de ser querido, e passei a bandido. Não queria deixá-lo naufragar, mas ao passar a Costa deixámos a Concórdia e fui convidado a sair do comando. Enquanto outros Capitães queriam governar o barco, bajulando um caminho menos penoso, mais farto e linear, eu ia sendo deposto do posto por quem me tinha posto a navegar.
Numa jangada de egoísmo, rebeldia, em que a madeira da podridão está envolta pelas cordas do orgulho, estou à deriva, a olhar para a queda desastrosa e penosa de alguém que outrora não queria mais ninguém.
Não fui eu que abandonei. Fui deixado ao abandono, no mar revolto da livre escolha. Não fui eu que tropecei, mas como já era um tropeço para quem me dava o leme, fui deixado à margem. Não fui eu que menti, porque sempre fui verdadeiro e expressei o meu desejo de levar ao melhor destino, por entre as vagas da vida.
Oh! Como desejaria eu ser chamado para regressar! Estou de coração destroçado ao ver como um pequeno desvio egoísta pelo prazer ilusório de minutos, pode dar num embate que em pouca inocência faz uma brecha pequena mas destruidora.
Eu queria trazer aquela vida navegante até à praia do arrependimento, reparar os destroços do pecado com o meu sangue, lubrificar todos os engenhos com o óleo da minha alegria. Regressar ao mar dos tempos e recuperar o caminho de volta à verdadeira vida.
Vou gritar pelos eventos da vida. Vou sussurrar no pobre coração. Vou lembrar na Palavra: “Chama-me! Estou aqui...” Disse e continuo a dizer: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia.” (Palavras de Jesus em João 6:37-39)


Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, março 2012

Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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