"A todos um bom Natal"*

Época de hinos clássicos, o Natal está a chegar. Ao olhar para o segundo Natal do meu herdeiro, recordo os primeiros natais de que tenho memória... e logo surge o tema, bem nacional, que dá título a este artigo.

Por mais que não queira, enquanto escrevo, começo a cantarolar a canção que me ficou no ouvido desde cedo. E na curiosidade que vem talvez da influência inocente de uma criança presente, redescubro a letra e medito.

“Nesta manhã de Natal / Há em todos os países / Muitos milhões de meninos / Felizes”. As palavras soam belas, não fossem as imagens do jornal de ontem, do noticiário da manhã, do documentário desta noite. Tantas crianças, no meio dos escombros da guerra que não compraram, mártires sem escolha, desalojados, órfãos, famintos.
Enquanto nos queixamos da nossa crise, e nos continuamos a abarrotar de comida e de presentes, é um contraste pensar no Natal que outros não têm, desconhecem ou vivem. Para uma cultura de herança judaico-cristã e, vou mais longe, para uma pessoa (neste caso eu) que se diz discípula de Jesus, onde está a verdadeira identidade natalícia? Que Natal estou eu a viver e a ensinar à próxima geração – neste caso, com um filho nos braços que vai rasgar os seus embrulhos neste Natal?

Voltamos à letra... “Depois há danças de roda / As crianças dão as mãos / No Natal todos se sentem / Irmãos”. O imaginário idílico continua... e a intenção é, de facto, boa. Seria fantástico não haver inveja, ciúme, competição ou falta de perdão entre irmãos, entre familiares e amigos. Na realidade, não é essa (ou deveria ser) uma das consequências do Natal?

Talvez estas perguntas e estes pensamentos denotem um fatalismo pouco apetecível nesta época de festas. Aqueles que me leem esperariam talvez um discurso mais simpático. Mas não desanimem!
Falar de Natal é falar de Cristo, de salvação, perdão, uma nova vida. É falar de esperança. E de levar essa esperança aos outros. É Ele – Jesus – a nossa felicidade. É Ele que nos torna verdadeiramente irmãos quando compreendemos o Seu ato gracioso, voluntário, por nós imerecido – quer da Sua encarnação e da Sua vida entre os homens, quer da Sua morte e ressurreição!

Precisamos abandonar a nossa perspetiva egocêntrica ou “familiocêntrica” do Natal e voltar a colocar as coisas no sítio certo. Jesus DEU voluntariamente a Sua vida por nossa causa. Como Seus seguidores, como discípulos, somos chamados a dar a nossa vida pelos outros e para os outros. A não nos conformarmos com a corrupção, o pecado, a injustiça e a violência que assola este mundo. Vivendo como Ele deseja que vivamos.

Nestes dias de mesa mais ou menos farta, lembremos os que não têm mesa, nem família, nem esperança. Lembremos esses e outros nos próximos 365 dias. Deixemos de lado o “eu” e olhemos para o outro – mesmo que não nos seja possível ajudar todos, comecemos por alguém. Deixemos de lado a nossa razão e abracemos uma atitude de perdão.

Expressemos por atos e palavras a mesma mensagem que ecoou na noite estrelada em que Deus feito homem nasceu: “‘Não tenham medo; trago­-vos a notícia mais feliz e que se destina a toda a gente! Esta noite, em Belém, a cidade de David, nasceu o Salvador — sim, o Cristo, o Senhor. É assim que o reconhecerão: encontrarão a criancinha envolvida em panos e deitada numa manjedoura.’ E eis que, de repente, se juntou outro grande grupo de anjos, louvando Deus: ‘Glória ao Senhor, no mais alto dos céus, paz na Terra aos homens a quem Deus quer bem’.” (Lucas 2:10-14, OL)

Só quando recebemos e vivemos esta mensagem, podemos dizer com o coração cheio de esperança, mesmo nas circunstâncias mais atrozes, “Que seja um bom Natal / Para todos nós.” Porque o verdadeiro Natal já aconteceu na nossa vida. E na sua?

Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, dezembro 2014

Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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