Quando o Natal (não) faz sentido

Imagens edílicas, que nos transportam para um cenário de perfeição. Músicas repletas de mensagens perfeitas e harmoniosas. Discursos e atos a transbordar de solidariedade. É este o Natal que vemos, ouvimos e que nos querem levar a sentir. Mas será que é mesmo assim? Será que esse é o Natal real?

Enquanto muitos de nós andamos “embriagados” por este instrumental e “instrumentoso” ambiente com que a sociedade nos embala nesta época — as imagens, as músicas, os discursos, os atos de caridade, — há um outro Natal: o Natal do outro.

O Natal dos pobres, dos desempregados, dos sem-abrigo. O Natal das viúvas, dos órfãos, das crianças institucionalizadas, das mães solteiras, dos isolados, solitários, abandonados 365 dias por ano. O Natal dos empresários esmagados pela mudança vertiginosa de uma economia esmagadora, dos agricultores dizimados pela seca, lavrados pelos incêndios. O Natal das vítimas de bullying, de violência doméstica, de assédio, que sofrem abuso no silêncio. O Natal dos refugiados, dos escravos modernos, e dos reclusos. O Natal dos enlutados, dos doentes terminais, das crianças com cancro, das suas famílias.

Que discurso faremos do alto do nosso trono consumista ao desesperado, sem abrigo e pobre agora e durante o resto do ano? Palavras que não enchem o estômago e atos que o aconchegaram talvez numa ceia esquecida, lá longe numa noite de dezembro. Qual o sentido desse Natal?

Que canções cantamos quando chega a depressão, o esgotamento, a doença fulminante, a notícia da morte (a nossa ou a dos outros) para breve? Quando o mundo nos desaba, com um castelo de cartas, e tentamos perceber o que podemos fazer, se há algo a fazer. Onde está agora o Natal?

Que imagem representará o nosso estado de pânico quando a separação é um facto consumado, os filhos batem com a porta e nos levam o coração, o desemprego inesperado nos deixa à toa ou já é tão longo que ficamos sem a possibilidade de sustento mínimo? Já não há peru na mesa, nem bacalhau. Não se ouvem risos, nem há luzes a animar a paisagem. O Natal? Foi-se e não sabemos se ou quando irá voltar.

O verdadeiro Natal precisa renascer das cinzas. Não que esteja morto — muito pelo contrário, Ele está vivo. Mas, de facto, nós precisamos colocar o foco do Natal naquilo que é a sua essência. Todos e cada um precisam voltar-se para o Primeiro Natal, o Natal de Jesus Cristo. Quando Ele nasce no nosso coração, é sempre Natal, há sempre esperança. Quando Ele nasce no nosso coração, verdadeiramente, o Natal do outro é também o nosso Natal.

“Pai, ajuda-nos a não nos esquecermos do verdadeiro motivo que trouxe o Teu único Filho a esta Terra e ao meio da Humanidade: a nossa salvação para uma nova vida, eterna, abundante, interminável. Obrigada porque por causa de Jesus podemos nascer de novo para viver de uma maneira nova. Ajuda-nos a sermos como Tu, a pensar no outro, mesmo que já não seja Natal. Só assim o Natal fará sentido. Assim seja!”

“E ela [Maria] dará à luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.” (Mateus 1:21)

Ana Ramalho Rosa

in revista Novas de Alegria, dezembro 2017. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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