Discussão (com)paixão

Pai,


Era suposto dizer-Te que está tudo bem, mas não é verdade... e Tu sabes disso. Quando nos cruzamos com outros, temos aquele hábito de perguntar “Tudo bem?” e dar a resposta de frase feita, mesmo que seja ilusória “Tudo!”... mas Contigo não vou repetir um discurso social por hábito. Já tive dias mais amenos.

Apesar de saber quem sou e de reconhecer que me amas, estou sentada no chão das minhas dúvidas e pergunto que caminho vais abrir no meio do meu deserto, porque é para aí que me estás a enviar.

O desafio que me fizeste tem um longo roteiro que desconheço e não sei se devo conhecer antes de tempo. Já te disse muitas vezes o que vai cá dentro e expressei que o meu único rasgo de esperança está em Ti. Hoje repito-me sem copiar as palavras, mas com o mesmo coração aberto... tenho medo de pisar a água e cair.



Sei que não posso ficar à espera, eternamente, mas também não posso desesperar num súbito segundo que me parece eterno. O que me pedes parece ser demasiado grande para mim. Quando o relembro, ainda tremo de medo, como se tudo o que já construímos juntos fosse uma névoa que passou. Tudo, até aquilo que aos olhos do mundo são obras notáveis, feitos aplaudíveis.

Podias pedir algo mais fácil, mais acessível, menos radical ou ousado. Envias-me para o meio da selva das emoções dos outros, para o mar atribulado de passados não resolvidos, para a guerra entrosada do pecado, para o campo armadilhado do inimigo. Eu, que tenho as minhas próprias guerras, lutas, minas e armadilhas, que tantas vezes preciso ser invadida por Ti, através do Teu Espírito, da Tua Palavra e de outros...

Ao longo do tempo tenho desenterrado tesouros Contigo. Tesouros demasiado valiosos, demasiado bonitos para não existirem fora do seu casulo. Deste-me a coragem de invadir a propriedade privada e até certo ponto conseguir entrar e, devagarinho, conquistar um lugar certo para começar a escavar.

Agora, como tantas outras vezes, dás-me a ordem de partir em busca de um sorriso perdido, de um destino rasurado, de uma pedra preciosa amarfanhada nas revoluções da vida... e como sempre, tremo só de pensar em atrever-me a tocar sem deixar cair, estragar ou magoar. O peso que trago cá dentro deve ser o mesmo do valor de quem queres que ajude recuperar a alma.

Eu orei a pedir para me dares oportunidade de usar de compaixão pelos outros, que me desses pelo menos um vislumbre daquela que Tu tens. Se calhar estás a responder-me com este desafio brutal, desconhecido... Pai, não sei se sou capaz.

Informo-te daquilo que já sabes e reconheço o que já leste no meu coração: eu aceito, mas só o faço se Tu fores comigo.

Pai, mais uma vez dependo de Ti.

Guia-me, por favor.

Assim seja...

Ana Ramalho Rosa

in Novas de Alegria, novembro 2018

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