Continua…

Veio como um turbilhão inesperado. A acidez da chuva tempestuosa consumiu a réstia de esperança e mergulhou-me no atrito de uma onda gigante e aglutinadora. Despedacei-me sem dó. Caí no chão do meu caos e desmembrei o meu coração em pedaços irreconciliáveis. 

Parecia que os meus cacos eram um puzzle impossível de juntar, prontos para acabar numa lixeira qualquer. E ali estava eu, esmagada por todas as lutas, carregando nos destroços do meu passado o peso da amargura. Eu gritava, no silêncio das palavras, no rosto carregado e olhar pobre de espírito. 

Pensava que estavas longe. Que não era eu mais do que um grão de areia, uma partícula ínfima, sem valor ou futuro. Mas o Teu olhar alcançou-me. O Teu amor veio, como uma brisa suave a pairar sob os escombros da minha tempestade. Como o Teu poder e misericórdia respondeste ao meu grito silencioso e inundaste com bonança o meu íntimo. Colaste com a Tua compaixão os pedaços já moribundos que restavam do meu pobre coração. Deste-me descanso, alívio e paz de um modo tão próprio que ninguém mais poderia dar. Fizeste-me de novo.



Na bruma do futuro, apresento cicatrizes – marcas do que já passei. Lembro-me como trataste as minhas feridas, como me suportaste e Te importaste. E fico a mirar o horizonte lembrando que Tu és o meu porto seguro, o meu abrigo em todo o tempo, a minha âncora qualquer que seja o espinho, a dor, a tempestade. Porque os marinheiros podem deixar o barco, mas Tu estás sempre lá. De pé em terra firme, a navegar na calmaria ou a enfrentar ventos e marés atrozes. Tu nunca disseste que a viagem seria turística. Avisaste que viriam as lutas, mesmo quando a minha obediência e compromisso fosse certeiros, mas Tu estarias sempre comigo. E a verdade é que estás sempre aqui. E porque Tu continuas, eu continuo. E assim, neste novo ano, um ano novo vem… e a vida continua.

“Entretanto, Jesus dormia deitado na popa, com a cabeça numa almofada. Inquietos, acordaram-no gritando: ‘Mestre, não te preocupa que estejamos quase a morrer afogados?’ Então repreendeu o vento e disse ao mar: ‘Aquieta-te!’, e o vento parou, fazendo-se uma grande calma. ‘Porque estavam com tanto medo? Ainda não têm confiança em mim?’ Eles, tomados de espanto, diziam uns aos outros: ‘Quem é este homem, que até os ventos e as ondas lhe obedecem?’” (Marcos 4:38-41, OL)

Ana Ramalho Rosa

in Novas de Alegria, janeiro 2019

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