O despertar do Paganismo


Começando pelo princípio, creio ser necessário definir bem o que se entende por Paganismo.

Segundo o dicionário de língua portuguesa da Priberam, o Paganismo é o culto praticado pelos pagãos, isto é, todos aqueles cuja religião não é monoteísta e não aceita a prática do batismo. Esta designação surgiu nos primórdios da Igreja Primitiva e era aplicada essencialmente a quem não era judeu ou cristão. O leitor pode pensar, “mas que significado tem isso hoje”? Na verdade, muito.


Boa parte do que vemos como ressurgir do Paganismo europeu assenta num fator determinante: o aumento de fações nacionalistas políticas no norte-europeu (Suécia, Noruega e Alemanha principalmente) onde não apenas se procura uma primazia do povo local, mas também do regresso às suas culturas religiosas ancestrais (o Odinismo). Estas fações tornam-se socialmente influentes, procurando trazer de volta um legado já enterrado pela História e com uma população diminuta. De facto, o Neopaganismo mais recente apresenta-se não apenas na ação política de partidos como a Aurora Dourada (Grécia), o Movimento de Fé Alemã (Deutsche Glaubensbewegung – Alemanha), mas também na promoção do Wiccanismo através de séries de televisão como “Sabrina” (na Netfix) ou “Vikings”.

É certo que se pensarmos em todo o universo multimédia, jogos como “God of War” (onde o personagem principal Kronos é um deus que leva a cabo missões sangrentas e cuja saga começa na Grécia Antiga até chegar a Jötunheimr – capital dos gigantes na mitologia nórdica – no último episódio do jogo), filmes como “Agora” (que retrata a vida a filósofa neoplatonista grega Hipátia) ou obras como “A Guerra dos Tronos” ou a saga “Águias do Império”, notamos elementos pagãos ou de religiões tradicionalistas e mitológicas.

De facto, na senda da liquidez de pensamento da sociedade, que assenta nas obras de Zygmunt Bauman (sobretudo A Modernidade Líquida de 2014), há todo um pensamento que procura misturar práticas pagãs como o dia a dia, pintando essa mistura com conceitos como mindfulness, que acabam por estar aliados a práticas espirituais ancestrais. Um bom exemplo é o livro (convertido em filme) Comer, Orar e Amar, em que na falha da realização pessoal, a protagonista decide viajar pelo mundo numa busca pelo “seu” sentido de vida, levando-a à imersão e prática da Yoga em locais como a Índia ou em Bali. E porquê essa mistura? Porque a constante busca pela satisfação pessoal a todo o custo, leva a que a experiência de várias coisas, com uma profunda intensidade, origine uma fé do género IKEA (construa você mesmo). Lemos constantemente no Antigo Testamento, logo após a subida ao trono de um rei fiel a Deus, limpezas de casa, isto é, remoção de altares, estátuas ou imagens associadas a cultos pagãos (2º Crónicas 14:3, 2º Reis 23:5). O culto a Deus não coaduna com práticas pagãs. Mas aqui há que fazer uma ressalva e utilizar a História, o bom senso e a Bíblia. Símbolos como a árvore de Natal não eram utilizados nativamente pelos cristãos, até certa altura. E quando o passaram a ser, foi porque aconteceu aquilo a que chamamos de processo de cristianização cultural e sempre com fins de anunciar o Evangelho. Foi necessário que Bonifácio, missionário enviado por Carlos Magno à Turíngia (centro da atual Alemanha), cortasse uma árvore associada ao deus nórdico Thor (impedindo assim mais um anual sacrifício humano), dando início a esse processo de reabilitação. De árvore associada ao sacrifício a favor de uma figura pagã, Bonifácio levou o pinheiro a ser olhado como árvore onde a árvore granjeava.

Estes são apenas poucas ideias do que nos rodeia. Coisas que podemos contemplar diariamente na cultura em que vivemos. A recorrente mensagem tradicional do Fado em que a sorte e o destino são característicos, apontam para a deus romana Fortuna, numa total subjugação do ser humano ao acaso e à sua impotência perante a vontade de uma divindade. De facto, é preciso esclarecer algo de imediato: a soberania de Deus é real e nada podemos contra ela. Confirmamos isso no Salmo 115:3, Daniel 4:35, Job 42:2 ou Atos 5:39. Mas tudo isso é muito diferente de sorte ou destino.

A recuperação do Paganismo surge porque um contínuo descontentamento do ser humano e por questões étnico-nacionalistas. Povos malgovernados, vão procurar nas suas raízes étnicas motivos para mudar, geralmente para uma faceta mais fechada, primordial e dependente do “destino”, porque entendem que é no poder de práticas e ritos ancestrais já mortos que encontraram consolo e força.

Nós, cristãos convictos e com amor ao próximo, precisamos de saber discernir o que fazer, como e quando fazer. Nos últimos anos o Halloween tem invadido a sociedade portuguesa. Se perdemos a tradição do Pão por Deus, que estando historicamente associada ao Catolicismo poderá levar a que não a levemos a cabo, podemos (e devemos) celebrar o Dia da Reforma Protestante (que se comemora precisamente a 31 de outubro). O que acabei de descrever é o tal processo de cristianização da cultura. Usar uma data ou um evento, dando-lhe um novo significado, com novas práticas e levando-o a ser uma ferramenta de exaltação de Deus e de promoção do Evangelho.

Se o Paganismo se levanta, a melhor maneira de o combater é no poder de Deus, como David combateu Golias (1º Samuel 17:15). Com oração, com jejum, com amor ao próximo, com paciência e sabedoria, com ensino e criatividade. A tudo isto, não devemos deixar de acrescentar a importância do conhecimento das Sagradas Escrituras. Quem não sabe onde se fundamenta, não tem fundamento seguro. É pelo testemunho das Escrituras (em conjunto com a ação do Espírito Santo) que percebemos qual o propósito principal do Homem e como lá chegar. Esse caminho requer precisamente que julguemos todas as coisas com base nas Escrituras, naquilo que é a ação de Deus e no discernimento com o auxílio do Espírito Santo.

Ricardo Rosa
in Novas de Alegria, junho 2019

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