O Zé-ninguém


Ao vê-lo de longe, parecia um senhor. Mas ao nos aproximarmos, o aroma e o aspeto faziam muitos olhá-lo de lado e virar-lhe a carta

Era um entre tantos que procuravam uma sopa quente, um abraço e palavras de conforto. O casaco elegante agora surrado pelo tempo, o calçado de couro já gasto e meio enlameado, não faziam prever de onde veio. Foi o amor (ou a falta dele) que o atirou para as ruas, por desespero e vontade própria, mas assente numa traição alheia que desmoronou o casamento de anos. A sua carreira como advogado começou a sofrer e levou-o a perder-se entre as garrafas, como perdeu mulher e filhos, acabando alojado os recantos sombrios da cidade. Deixou de ser o Senhor Doutor e passou a ser, num ápice, o sem-abrigo, o pedinte, o Zé-ninguém.

Lá estava ele, semana após semana connosco, no sítio do bairro onde era chamado pelo nome. O seu nome. A liderança daquele trabalho de apoio a toxicodependentes e sem-abrigo tinha este princípio: chamarmos os utentes pelo nome. A humanização e proximidade com que queríamos tratar cada um dos que passavam por ali era mais importante do que o pragmatismo ou a produtividade de uma senha com um número. Então, chamávamo-lo pelo seu nome e lá aparecia o esboço de um sorriso. Podia ter pedido tudo na vida…, mas o nome nunca o perdeu!


Pensava neste homem quando recordei as palavras de Deus ao Seu povo: Mas agora, assim diz o Senhor que te criou, ó Jacob, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu.” (Isaías 43:1, ACF) O povo de Deus tinha-se desviado da Sua Palavra e mesmo com milhentos avisos, continuava a virar-Lhe as costas. Então, veio o cativeiro e o povo foi levado para outra terra. Neste capítulo, Deus diz através de Isaías que continua disposto a perdoar o Seu povo, e a estar com ele se houver arrependimento sincero. A identidade do povo estava assente em Deus, porque era o Seu povo, que Ele amava (e ama!).

“Vejam com que amor o Pai nos amou, a ponto de sermos chamados filhos de Deus! E somos seus filhos realmente!” (1 João 3:1a, BPT) Hoje, quando nos arrependemos e aceitamos Jesus como nosso Salvador e Senhor tornamo-nos filhos de Deus. Ser filho ou filha de Deus é um privilégio que Cristo ganhou na cruz para nós. Ele foi lá por nós, na nossa vez. Não foi algo adquirido nos saldos, numa campanha promocional ou por "cunhas". Foi com o preço da Sua própria vida santa, pela nossa vida pecadora. Tudo o que possamos fazer não paga o amor de Deus por nós, mas não podemos deixar de fazer seja o que for por Ele, por causa desse amor incomparável que não merecemos nem jamais mereceriamos. Obediência é um ato de amor, porque Ele também obedeceu, por amor!

Jesus disse: "Se guardarem os meus mandamentos estarão a viver no meu amor, assim como eu obedeço ao meu Pai e vivo no seu amor. Disse-vos isto para que possam encher-se da minha alegria. Sim, a vossa taça de alegria transbordará! Mando-vos que se amem uns aos outros como eu vos amei. E é esta a medida: o maior amor é mostrado quando alguém dá a vida pelos seus amigos. E vocês serão meus amigos se fizerem o que vos mando." (João 15:9-14, OL)

Somos amigos e filhos de Deus… por isso O amamos e Lhe obedecemos. Podem tirar-nos tudo, os títulos e até o teto, mas não nos podem tirar isso. Somos Dele. Ponto final!

Ana Ramalho Rosa

in Novas de Alegria, janeiro 2020

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