5 mitos acerca da chamada a tempo integral
A expressão “tenho uma
chamada” pode querer dizer muita coisa. Em primeiro lugar, para o cidadão
comum, quererá dizer “alguém me está a ligar”, mas dito no final de um retiro
ou no testemunho pessoal de um púlpito por um cristão evangélico quererá
dizer... muita coisa!
É sobre este tema que quero
falar. Não vou explicar “como” se recebe, nem são 5 passos para saber se temos
chamada... vamos pensar, sim, nas ideias falsas mesmo que bem intencionadas,
que dão base ao modo de pensar de muitos, ideias essas que podem ser perigosas
se levadas ao extremo.
O que me faz escrever não é
tanto entrar numa “batalha teológica” ou num “combate de titãs”, mas a desfazer
mitos e a levar cada pessoa que me lê a fazer o que todos devemos fazer: deixar
a Palavra de Deus e o Seu Espírito dirigir a sua vida em tudo.
MITO 1 – Só alguns têm chamada a tempo integral
Depois de um processo de
luta interior, coisas que vão acontecendo e que nos fazem sentir insatisfeitos
mesmo com uma vida estável, um bom emprego, mas uma espécie de angústia
desmedida por deixar “tudo”, vamos para um Instituto Bíblico e depois para onde
“Deus nos enviar”.
Alguém pode dizer que só
alguns dos filhos de Deus têm uma vocação para servi-Lo a tempo inteiro. Isto é
verdade no aspecto de que só alguns, numa determinada fase das suas vidas (ou
em várias fases), serão sustentados pelos seus irmãos na fé, enquanto se
dedicam a apoiar, ensinar, cuidar da igreja.
Não podemos confundir identidade
com função. A Bíblia é muito clara. Na igreja todos os filhos de Deus são
chamados para imitar Cristo na dedicação ao próximo, cada um com o seu talento
específico, com a sua função.
Na igreja não existem
espectadores. Todos temos algo a fazer. Em Romanos 12 e Efésios 4 podemos
retirar muitos exemplos de serviço no Corpo de Cristo.
MITO 2 – O que interessa é “sentir” uma chamada e
falar bem.
Paulo é claro quando afirma
que não nos devemos precipitar, impondo as mãos sobre alguém, ou seja,
reconhecendo nessa pessoa ministério. Jesus disse que conhecemos as pessoas
pelo seu fruto.
Paulo quando fala das
características de diáconos e presbíteros dá uma ênfase tremenda ao carácter,
colocando pouco foco no carisma (performance).
Quem diz sentir uma chamada
deve estar pronto para tudo e não precisa de grande coisa para que ela seja
reconhecida: está à vista, porque servir a Deus é o que move a pessoa. A igreja
reconhece. O problema é que não basta o jeito, é preciso tempo para testar o
carácter: as atitudes, reacções, submissão, etc.
Não é preciso “provocar”
testes. Eles vão acontecer inevitavelmente. Mas cuidado quando dizemos ter
chamada e não somos capazes de nos sujeitar a servir nas mais ínfimas coisas,
aquelas que ninguém deseja fazer, quer antes quer após passarmos por uma preparação
teológica.
Nem todos são excelentes
pregadores. Nem todos são professores. Nem todos são profetas ou apóstolos. Nem
todos são evangelistas. Cada um é como é. Daí devermos esperar para ver o
envolvimento espiritual, no agir e no fazer e não apenas num só destes dois
pólos.
Podem cometer-se erros
graves por se ir pelas primeiras aparências apenas. Precisamos orar e buscar
discernimento de Deus para ajudar aqueles que depois de retiros ou de eventos
especiais (e não só) dizem sentir uma chamada. Sejamos sábios e procuremos
encaminhar da melhor maneira.
MITO 3 – Os pastores são “cristãos profissionais”
Obviamente, se entramos num
instituto, temos emprego garantido numa igreja, na qual nos preparamos
arduamente toda a semana para os cultos, oramos, lemos a Bíblia e fazemos
documentos Word de 15 páginas cheios de teologia, para alimentar o rebanho.
Errado! Não há nada “óbvio”
na chamada para dedicar-nos no ministério a tempo integral. O ideal é a igreja
ter suporte financeiro para ajudar, mas, e se não tiver? E se for uma igreja
sem recursos? E se não houver um convite?
Quem quer servir a Deus, servindo
os irmãos, antes ou depois de um canudo, arregaça as mangas e vai em frente.
Quem quer “servir-se”... é outra história.
Deus é que criou o trabalho,
tanto o não ministerial e como o ministerial. Trabalhar para ter sustento não é
nenhuma desonra, mas pode ser uma das formas de um missionário ou missionária
se sustentar enquanto está a servir a Deus.
Paulo é um exemplo. Ele
fazia tendas para se sustentar nas alturas em que não tinha outra subsistência
– estamos a falar de alguém que fundou muitas igrejas, que supostamente
deveriam tê-lo apoiado.
Não estou a dizer que devemos
viver de forma miserável ou ficar escravos o trabalho, nem passar do 80 para o
8, mas penso que devemos estar conscientes de que as coisas não são tão
lineares como às vezes as vemos... e uma ideia falsa enraizada pode criar
falsas expectativas. E uma pessoa com falsas expectativas, pode sofrer e fazer
os outros sofrer se estiver em algum lugar de coordenação ou liderança.
Além disso, há profissões
que são o “passe” de entrada em países nos quais os “missionários de tempo
integral” nunca entrariam, por serem países onde ser cristão pode significar a
morte, tais como: professores, engenheiros, médicos, etc.
Outro aspecto é que nos
meios mais pequenos (em todos aliás) é mais fácil nos aproximarmos das pessoas
através de contactos por amizade do que por título. Aliás, até pode ser uma
forma de afastas as pessoas, pelos estereótipos sociais criados. Estarmos
integrados e sermos conhecidos pelo nosso carácter no trabalho, ou pela ajuda
que estamos prontos a dar, são coisas que não conseguimos fechados em casa.
MITO 4 – Quem tem chamada é de “outro nível”
Depois de terminar o
Instituto, numa acalorada discussão teológica com alguns amigos, a certa altura
a conversa ficou “quente” e a justificação para o meu argumento foi nem mais
nem menos que esta “Mas pensas que eu não sei? Eu fiz o instituto bíblico!” Que
fraco argumento! Queria tanto “ganhar” a disputa que acabei por perder a razão
pela falta de humildade!
Quando Deus nos chama para
ter determinado papel no Corpo de Cristo, Ele vai-nos dar a capacidade que
precisamos. Nós devemos ser bons mordomos de tudo isso, e deixarmos que seja
Deus, em nós e através de nós, a fazer reconhecido o nosso ministério. Não
precisamos sacar de diplomas ou subir a um escadote.
Alem disso, não devemos
confundir respeito e submissão com bajulação e anulação. As pessoas que Deus
chama para presidir, seja em que área, foram escolhidas pela graça de Deus
(Efésios 4 fala disso claramente) e o seu ministério deve apontar inteiramente
para Ele. Quem Deus quer dedicado inteiramente à Sua Palavra, ao exercício do
ministério, deve ter o cuidado de vigiar o seu coração. As pessoas tendem a
valorizar os seus líderes (e fazem bem) mas se não vigiarmos podemos tornar a
honra em orgulho e auto-promoção.
As pessoas que Deus colocou
à nossa responsabilidade não são nossas. Elas custaram a vida de Jesus. Temos o
dever de guiá-las, aconselhá-las, corrigi-las, ensiná-las, consolá-las mas
jamais anulá-las. Essas pessoas têm capacidades dadas por Deus que precisamos
potenciar, através de acompanhamento e responsabilidade. Não existem
super-líderes. Isso é um mito.
MITO 5 – O líder é uma pessoa solitária
Uma vez li uma ilustração
que usava como exemplo para esta característica o final dos livros do Lucky
Luke. Depois de cada aventura, o famoso cowboy saía de novo, estrada fora,
montado no seu cavalo e acompanhado pelo seu cão, a cantar “Eu sou um pobre
cowboy solitário / E estou muito muito longe de casa...”
Um dos mitos mais perigosos
é este: o líder é solitário. Se alguém se dedica inteiramente a servir a
igreja, sendo sustentado pela mesma, e vem com este pressuposto presente, vai
cometer um erro: nunca irá procurar relacionamentos sólidos e saudáveis junto
de colegas ou ovelhas.
Gosto de Jesus! Ele tinha 12
amigos de ministério e pediu até a alguns para passar um tempo a orar com Ele
num dos momentos mais complicados da Sua vida – antes de ser preso. Jesus
mandou os discípulos dois a dois.
O facto de haver momentos na
nossa vida (e não são poucos) em que só Deus nos pode dar o alento porque a
responsabilidade, os desaires, os problemas são enormíssimos, não é razão para
sermos os “super líderes solitários”.
Precisamos investir em
pessoas que partilhem das mesmas lutas que nós para nos suportarmos mutuamente
em oração, em partilha, em ânimo e também correcção. Não ficamos mais pobres
por partilhar as nossas falhas, lutas e dúvidas com os nossos colegas. Isto só
se consegue numa relação, numa amizade. Isso só é possível num ambiente de
confianças mútua que leva tempo a construir. Não aparece ao acaso.
É preciso prudência e
sabedoria para escolher pessoas para entrar na nossa vida – e isso sobe a
fasquia quando estamos a falar de ministério, de serviço a Deus.
O pastor João Martins, numa
entrevista que deu há cerca de um ano para a revista Novas de Alegria disse
mais ou menos isto, baseado na parábola da formiga, contida no livro de
Provérbios: “É nos verões da vida que se investe em bons relacionamentos.
Procurar relacionamentos profundos nos Invernos da vida é como querer aprender
a saltar de pára-quedas quando o avião está a cair.”
Ana Ramalho
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