Estranho, esquisito, bizarro.
“Quando a esmola é muita, o pobre
desconfia”, diz o povo. Quando as coisas são fáceis, simples, gratuitas e não
exigem esforço, suspeitamos. É estranho, esquisito, bizarro.
Ao longo da vida colecionámos promessas
incumpridas intencionalmente e compromissos que, apesar do esforço, foram
diluídos no tempo, ficaram-se pelo esquecimento. E não falo de coisas simples e
pequenas, mas das grandes responsabilidades que assumiram para connosco.
Governantes, pais, professores,
patrões... As figuras que nos deveriam ter sido por exemplo e modelo, mesmo
fazendo o seu melhor, foram-no de maneira humanamente imperfeita. Mas, em
alguns casos, extremaram-se ao ponto de nos negligenciarem, abandonarem,
enganarem ou maltratarem. Essa coletânea de falhanços marcou-nos. Em alguns
casos, lidámos bem com isso. Outros, alimentaram o nosso ceticismo e tornámo-nos
extramente incrédulos no que toca a confiar nos outros.
Respeito, responsabilidade, amor e
perdão tornaram-se características relacionais estranhas, esquisitas, bizarras.
De pé atrás com a vida, construímos um ninho ilusório centrado na nossa
(in)segurança. Quando demos por ela, descobrimos o inevitável – muitas vezes nós
também prometemos e não cumprimos, quer queiramos, quer não. Mesmo no nosso
maior esforço e dedicação, somos tremendamente limitados na nossa imperfeição.
Porquê? Porque escolhemos, não muito
depois de começarmos a palmilhar este planeta, limitarmo-nos à nossa
independência. Antes que o homem fosse desiludido pelo homem, ele decidiu
iludir-se com a ideia de que sem Deus tudo seria melhor. Ele quis ser senhor e
rei de si mesmo... mas o resultado, pelos vistos, não tem sido muito bom...
Hoje, continuamos a colher a (des)ilusão
que semeámos, numa sociedade complexa, na qual a beleza da imagem e semelhança
de Deus com que fomos criados, precisa ser restaurada pela purificação do nosso
espírito, alma e corpo. Precisamos ver Deus como Ele é e não “colá-Lo” a uma
fotografia tosca de um tirano sedento de poder e bajulação, à imagem
reprobatória dos atores das nossas desilusões.
Pode parecer estranho, esquisito ou
bizarro, mas Deus agiu em nosso favor, sem que tenhamos feito algo bom para
atrair a Sua atenção – muito pelo contrário. Na Sua justiça, Ele enviou alguém
para pagar o preço da nossa rebeldia. Na Sua santidade, Ele preparou um plano
para nos tornar santos, no meio desta invenção inconstante e apodrecida chamada
sociedade. Na Sua misericórdia, Ele dá oportunidades de ouro para quem O tratou
como nada. No Seu amor, Ele revela mais do que afeição – Ele deseja que nos
voltemos para Ele, totalmente, para sermos veículos da Sua graça e compaixão.
Neste mundo de recompensas e
penalizações, é estranho, esquisito e bizarro pensar que “Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho único, para que
todo o que nele crer não se perca, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16,
versão “A Bíblia para Todos”), mas a verdade é que Ele continua com a porta
aberta para nos receber.
Para começar um caminho novo, com uma
natureza transformada por Deus, basta expressar esse desejo numa simples oração
de arrependimento pela nossa estranha, esquisita e bizarra forma de vida.
Ana
Ramalho Rosa
in
revista Novas de Alegria, junho 2012
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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