Palavras esbanjadas de uma pobre criatura
Sem teto nem abrigo. Sem moda nem traje
acetinado. Sem obesidade, mas vivendo morbidamente pelos cantos da cidade.
De olhar longo e acolhedor, no meio dos
trapos velhos, esperava o momento atabalhoado do banho, da sopa quente, do
aperto de mão caloroso na entrada do albergue. Uma rotina de quem se perdeu na
vida e se reencontrou na dependência dos outros – para o básico e o trivial.
Sem as luzes da ribalta que sonhou. Sem
o sucesso profissional de antes. Sem os mares de gente que aplaudem as
palavras, os sons, as imagens ilusórias deste mundo mergulhado no consumismo
atroz, fornecedor de um conforto efémero, ladrão da paz. Pobre. Dependente.
Quero ser como esse mendigo. Dependente
do Teu abraço, da Tua provisão, do Teu amor. Quero vaguear sem outra satisfação
que não seja a Tua presença. Quero ter-Te, conhecer, acima de tudo. Desesperada
por Ti.
Sei que não vou mendigar o Teu amor,
pois esbanjaste-o à frente de todos, quando o Teu Filho morreu por mim, morreu
por nós. Sei que não o mereço, mas desejo entrar na porta que me abriste: para
a salvação de mim mesma, para o resgate da minha dívida pecaminosamente pesada,
para um novo rumo, apertado mas destinado ao que mais desejo – estar Contigo.
Perdoa a minha frágil independência, o
meu excesso de autoconfiança, ou de “outro-confiança”.
Quero chorar amargamente, copiosamente, pela minha teimosia e orgulho. Quero
descalçar-me na Tua presença, e ajoelhar-me perante Ti, sem nada a esconder,
sem ponta de hipocrisia ou fingimento.
Quero admitir todos os dias que a Tua
misericórdia, renovada a cada manhã, é a causa de eu ainda andar entre os
viventes. Que a Tua Palavra, que não muda, é o motivo pelo qual me posso guiar,
em segurança – na Tua segurança.
Quero honrar-Te, esperando por Ti – e
apenas por Ti - no Teu tempo e na Tua maneira peculiar de me surpreender,
tantas vezes fazendo-me (re)aprender ao ver pelo microscópio da Tua Palavra o
meu coração, e a diagnosticar o óbvio: preciso ainda deixar-Te rasgar aquilo
que não interessa na minha vida.
Que o que me entregaste nas mãos – a
minha vida, o meu tempo, a minha família, o meu ministério - seja usado para
Tua glória. Que cada pensamento, cada palavra e ação seja dedicada a Ti. Que, no meio da bonança, a minha boca exprima aquilo
que preenche o meu coração: a Tua presença, a Tua vida, a Tua alegria em mim.
Como
um mendigo, sem recursos, sem propriedade, quero depender do Teu conselho, do
Teu amor, da Tua Palavra. Quero mostrar quem é o meu Pai do Céu. Quero que
saibam quem me comprou com o Seu precioso sangue, Cristo, de quem sou
propriedade.
Ajuda-me
a morrer para mim mesma, e a viver para Ti, sem restrições ou limites.
“Bem-aventurados
os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus; bem-aventurados os que
choram, porque eles serão consolados.” (Mateus 5:3 e 4)
Ana
Ramalho Rosa
in
revista Novas de Alegria, novembro 2012
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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