A reportagem que eu não queria fazer
Não que o
assunto não fosse importante. Não que as pessoas não fossem relevantes.
Simplesmente preferia não ter que fazer aquela reportagem.
Uma
segunda-feira ensolarada como tantas outras primaveris, no fecho do mês de maio.
No desenrolar do dia, as nuvens foram espreitando, talvez solidárias com o que
a maioria junto a mim, senão todos, sentia.
Num misto
assombroso de dor e alegria, homenageávamos um colega, um amigo, um irmão, um
marido, um pai, um avô. O seu sorriso, a sua coerência e respigos da sua muita
vida ecoaram entre as palavras e os gestos, nos discursos e abraços.
E ali estava
eu, de caderno na mão e caneta em punho, a tentar registar o melhor possível a
solenidade e importância do momento, e ao mesmo tempo, a lutar com aquela
lágrima teimosa, que queria rebentar pela saudade, pela empatia, pela
solidariedade para com a esposa, filhos, genro, noras e netos.
Não queria ter
que fazer aquela reportagem, mas tive que fazê-la. Num certo sentido, ainda bem
que a pude fazer. Porque não foram apenas as palavras do passado, do que foi,
do que fez, mas as do futuro – de onde estava e com quem estava – que brotaram
daquela cerimónia merecida.
A saudade
marcada nos nossos rostos, não fazia esquecer a esperança e certeza de que
aquele nosso amigo tinha chegado ao destino que tanto anunciava. Se pudemos
aprender com o seu exemplo, se pudemos receber conselhos, carinho e amizade,
também reconhecemos que ele estava com Aquele a quem decidiu um dia entregar a
sua vida – uma vida inteira, sem condições, sem reservas, com tudo o que tinha
e era.
Mas mais do
que palavras, olhares e gestos, fica a grande questão: de que vale viver uma
vida em cheio se caminharmos em direção a um aparente vazio? Viver com os olhos
em algo real, verdadeiro e eterno, não será muito melhor? Como aquele homem
fiel a Deus, precisamos agarrar-nos a Alguém: “Cristo Jesus nossa esperança” (1 Timóteo 1:1, BPT)
Neste mundo em
que a esperança é tão efémera e frágil, precisamos abraçar a verdadeira
esperança. Precisamos viver nessa certeza, nesse caminho, com a firmeza de que
não apenas estamos a confiar em algo indefinido, numa ideologia humana ou em
frases feitas. Não! A esperança em Deus é segura, verdadeira, certa.
“Se a esperança que temos em Cristo não vai para além desta
vida, somos os mais miseráveis de todos. Mas a verdade é que Cristo ressuscitou
dos mortos, e é garantia de ressurreição para os que morreram. ” (1 Coríntios
15:19-20, BPT)
“Agora, pois,
Senhor, que espero eu? A minha esperança está em ti.” (Salmo 39:7)
Regressei
a casa a pensar nisto: o “até já” que pronunciámos naquela tarde (seja para
daqui a minutos, dias ou anos), é seguro, não porque o mereçamos, mas porque
Deus, na Sua misericórdia, permite que O conheçamos e tenhamos a certeza
inabalável de que um dia estaremos a desfrutar plenamente da vida eterna que
aqui provamos, como um aperitivo.
Ana Ramalho
Rosa
Texto em memória do pastor José Neves
in
revista Novas de Alegria, setembro 2014
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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