Caricatura divina
Existe uma tendência humana e cada vez mais actual de
caricaturar Jesus. Naim Ateek, cónego palestino e anglicano na Catedral de S.
Jorge em Jerusalém, caricaturou Jesus de Nazaré como "o palestiniano sem poder, humilhado num posto de controlo"[1].
[1]
http://www.midiasemmascara.org/artigos/religiao/14599-jesus-o-palestino.html; [2]
http://www.newstatesman.com/religion/2010/12/jesus-god-tax-christ-health; [3]
http://www.huffingtonpost.com/joel-l-watts/the-economics-of-jesus_b_4373835.html; [4]
http://www.wnd.com/2013/12/jesus-christ-is-a-capitalist/; [5] João 20:28; [6] Isaías 59:20; [7] Hebreus 13:6; [8] Mateus 20:26-28; [9] http://oglobo.globo.com/blogs/pagenotfound/posts/2013/04/26/jesus-foi-primeiro-hipster-494630.asp; [10] Hebreus 12:2; [11] Apocalipse 17:14; [12] Mateus 27:29; [13] João 19:1; [14] Mateus 25:37; [15] João 10:11; [16] 1 João 5:20
Mikhail Gorbachev e
Hugo Chavez descreveram Jesus como "o
primeiro socialista" e "o
maior socialista em toda a História"[2],
respectivamente. Por outro lado, Jon Moseley crava em Cristo o crivo de
capitalista[3,4].
Existem dezenas de
imagens e caricaturas, centenas de associações de X a Cristo, numa tentativa de
corroborar virtude de alguém. Mas cada vez mais se repete por repetir ou então
se esquece propositadamente aquilo que Cristo verdadeiramente é. Ele não só é
Deus e Senhor[5], como também é Redentor[6] e Consolador[7]. Apelar à natureza humana de Cristo não é
motivo para nos escusarmos a meditar na Sua divindade. Porque foi pela Encarnação
(uma obra divina) que a natureza humana foi também exaltada.
Não se trata de
reconhecer a primazia de Cristo nos meandros da Filosofia, Economia, Política
ou qualquer outra ciência. Trata-se de reconhecer que Ele está acima do Homem,
que a exaltação em massa digna de likes
numa qualquer rede social aquando da chegada a Jerusalém num jumento foi apenas
o começar de horas de agrura. Agrura essa que resulta na nossa cura e
libertação da doença mais mortal de sempre: o pecado.
Podemos querer
atribuir a Cristo vários títulos, várias posições; mas nada será tão digno como
aquilo que Ele é por natureza: perfeito, sempre eterno com o Pai e o Espírito,
o Cordeiro da Páscoa cujo sangue lava a interminável nódoa que o pecado
provocou...
A Cristo pertence a
Cruz, a Ele é dada glória e honra e todo o poder. Se exaltamos os homens pelas
suas virtudes práticas, Cristo inverte tudo isso e mostra que a exaltação é
merecida por aqueles que se despojam e se humilham, tal como Ele[8].
Não podemos dizer que
Cristo foi o primeiro anarquista, quando na verdade Ele oficializa na prática
um Reino ordeiro e com base na lei da perfeita graça. Não podemos dizer que
Cristo foi o primeiro hipster[9], quando falhamos em perceber que o
"problema" que Ele combatia não era a cultura mas sim o afastamento
espiritual de Deus em direcção à construção religiosa humana. Filho de Deus, filho
de judeu, Jesus de Nazaré aprendeu aos pés dos mestres religiosos tal como
aprendeu em intimidade com o Pai.
Se queremos pintar
algum retrato que represente Jesus de modo fiel e digno, devemos olhar mais
para a Cruz e menos para a manjedoura, mais para a desfiguração dolorosa do
pecado e menos para o Monte da Transfiguração. Olhar mais para o homem de dores
descrito por Isaías e menos para o Cristo dos artistas leva-nos a contemplar a
Sua verdadeira essência. Um Deus que ama, um Deus de chora, um Deus que dá o
que de melhor tem para reunir consigo quem antes Lhe havia voltado as costas em
desobediência arrogante.
Cristo veio até nós
para nos salvar do pecado, não para servir como modelo comportamental, muito
embora seja Ele o paradigma pelo qual nos devemos guiar de modo a honrar o Pai.
Não é apenas um homem sábio, um líder motivacional, um filósofo à frente no Seu
tempo. Arrisco dizer que nada disso foi, embora se continue a dizer que sim.
Lembramos com facilidade o sucesso e por isso pegamos no Cristo vitorioso,
esquecendo a agonia do Getsemani, as tentações humanas e as lutas diárias. O
autor e consumador da nossa fé[10] é que
estabelece o padrão dourado e nos dá a imagem de quem é. Rei dos reis, Senhor
dos Senhores[11] mas ao mesmo tempo Deus
Filho de quem escarneceram[12], a quem
açoitaram[13] e crucificaram[14].
Ele deu-Se a uma
tortura digna de causar repulsa à Amnistia Internacional, para restaurar o que
outrora fora cortado por Adão: a ligação de intimidade entre o Pai e nós. Não Se
escudou na personalidade mística de um agitador social ou no ascetismo
nacionalista, mas foi o bom Pastor que apascentou, cuidou e alimentou as Suas
ovelhas[15]. Não foi um elitista
teológico trancado numa torre de marfim, rodeado de inquiridores socialmente
bem vistos; antes comeu e bebeu com aqueles que foram marginalizados por serem
escândalo naquela sociedade. Cristo é a comutação da caricatura para a obra de
arte, a transformação de uma má concepção humana (Israel ainda hoje aguarda o
Messias guerreiro) na visualização da plena obra de Deus (Emanuel, Deus feito
homem, viveu no nosso meio).
Podemos tirar Cristo
da Cruz, mas não podemos tirar a Cruz de Cristo.
Não façamos algo que
nem Deus Pai fez, na tentativa de emoldurar melhor o retrato do Deus Filho. Porque
aquele que é desde o princípio dos tempos, que é uno com o Pai e o Espírito e que
é a Vida Eterna[16] não Se pode conter
dentro de uma descrição simplista e limitativa. Tanto quanto não foi possível a
morte mantê-Lo preso nela, não nos é possível encaixotar totalmente Jesus dentro
dos limites da compreensão humana.
Ricardo Rosa
in
revista Novas de Alegria, novembro 2010
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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