A (des)ilusão da autoajuda
“Autoajuda. Perdoa-te a ti mesmo.
Ama-te.” Todas estas estão expressões muito em voga na atualidade.
Nunca tanto como hoje, nem na era do Renascimento, se viu um culto à própria
pessoa ou ao Humanismo.
O Homem decidiu ser o
centro de si mesmo. E tudo o mais que exista, serve para orbitar em torno dele,
como um acessório. Esta é uma resposta natural (embora desequilibrada) aos
excessos vividos em pleno Séc. XX e às atrocidades dos conflitos armados, problemas
económicos e crises humanitárias que o assolaram.
Após épocas marcantes
como o advento do laicismo ou o majestoso desenvolvimento da produção
industrial em massa, o Homem virou-se para si mesmo. Afinal, porque não o
faria? Livrara-se do peso da tradicionalidade religiosa e desenvolvera métodos
que o faziam produzir ainda mais e melhor. Os acontecimentos que vieram marcar
a humanidade, nas décadas seguintes, como a Grande Depressão, as duas Grandes
Guerras ou a proliferação de doenças como o cancro e a SIDA, levaram o ser
humano a querer autovalorizar-se e a proteger-se.
O problema com este
tipo de pensamento, não se fica apenas pelo excesso de vaidade da
auto-valorização. Quando o ser humano se promove como o seu próprio deus,
fecha-se hermeticamente num vácuo de auto-adoração. O seu foco coloca-se
demasiado em si mesmo e fica cego com tamanho brilho. Aí, não existe proteção
sadia que lhe valha. Porque todo o ser humano é falível, estamos perante um
perpetuar de falibilidade incessante e um desgaste rápido do Homem. E isso leva
a excessos de vida como o consumo de drogas, de álcool, de pornografia e
violência… Daí resultam também problemas como a anorexia (tão indiretamente
promovida pelas indústrias do cinema e da moda), a glutonaria, o isolamento e por
consequência a ascensão das depressões e dos suicídios.
Na ânsia de se querer
amar a si mesmo, o Homem tornou-se o seu próprio inimigo. E porquê? Porque não
consegue satisfazer-se plenamente. Porque a sua satisfação é efémera, já que é
alimentada por coisas efémeras. O ser humano decidiu esquecer Deus, esperando
por outro lado, conseguir fazer-se semelhante a Ele. Esta foi a causa do
problema de Babel (Génesis 11:1-6), o querer substituir Deus e ser
autossuficiente. Foi também parte do problema de Job (Job 6:1-4), no que tocou
à autojustificação (Job era realmente um servo fiel e reto, mas só perto do fim
do livro é que percebe que quem justifica e valida a nossa vida é Deus). Tudo
porque Deus não criou o Homem para ser autossuficiente e independente mas sim
para ser relacional e dependente (Génesis 1:27,28a; 1 João 1:3b). Para se
relacionar em primeiro lugar com Deus e em segundo lugar com o seu próximo
(Lucas 10:27). Para ser dependente, não de vícios ou de maus hábitos, mas sim
de um amor inexplicável e intenso (Tiago 1:2-4).
Enquanto não
percebermos que não temos capacidade de nos perdoarmos a nós próprios, e que
isso é apenas uma miragem e uma deturpação do verdadeiro perdão de que
precisamos… vamos continuar com o mesmo caminho amargo. Tudo isto porque, como
Paulo escreveu, todos pecámos e estamos afastados da presença gloriosa de Deus
(Romanos 3:23). Mas é por causa do Seu amor, do sacrifício de Jesus Cristo na
cruz e da restauração de laços entre Deus e o Homem, que hoje podemos viver
livres e sem domínio do mal na nossa vida (Romanos 3:24-26, 2ª Coríntios 5:21,
Hebreus 9:15).
Precisamos de ir além
da cultura da autoajuda. Precisamos de admitir que queremos ajuda e que o nosso
Ajudador é Cristo. O amor que temos por nós próprios deve derivar não do que
temos ou fazemos, mas daquilo que somos quando nos submetemos a Deus (Efésios
2:8-10). A receita para o nosso valor não se encontra no que os outros dizem,
mas naquilo que temos a certeza que Cristo nos traz.
Porque o Reino que Cristo instaura no nosso meio, não é um reino com fronteiras, bélico ou economicista. Mas é um reino de justiça, de paz e de alegria no Espírito Santo (Romanos 14:15b).
Só assim poderemos
viver verdadeiramente reconciliados connosco próprios, porque fomos restaurados
para viver novamente à imagem e semelhança de Deus. Em caridade e comunhão, com
Ele e com os outros.
Ricardo Rosa
in revista BSteen, setembro 2016. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico
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