Quem usa calças lá em casa?
Geralmente,
a expressão “quem usa calças lá em casa sou eu” está conotada com o assumir da
responsabilidade e liderança do lar. Não sabendo se é uma expressão típica
portuguesa, era pelo menos costume ouvir-se a dita cuja quando um homem tinha
que “reclamar o seu território” em discussões sobre o casamento, a casa, etc…
Tradicionalmente, a ideia associa-se logo ao pai de família, que assume
um papel de provedor e sustentador da mulher e dos filhos. Esta é a visão popular
que pulula nas nossas cabeças. Hoje em dia, a realidade parece querer ser
outra. Sobretudo com o aparecimento de movimentos que têm vindo a distorcer o
que de positivo o feminismo conquistou para as mulheres (direito ao voto,
proteção contra o abuso sexual pelo próprio marido, etc.), como a Femen. A
questão que se levanta, pelo menos para as gerações mais novas, é perceber como
devem funcionar o homem e a mulher na família, na sociedade, até mesmo na Igreja.
Se movimentos ultra-feministas e extremistas, como a Femen, surgem como
resposta a uma cultura social machista, o que têm Deus e a Sua Igreja a dizer
em relação a este assunto? Como encarar o crescente número de mulheres em
liderança nas empresas ou em cargos sociais? E será que um “dono de casa” é
algo que possamos conciliar com o que a Bíblia nos diz?
PONTO DE
PARTIDA
A introdução da variável chamada pecado
na equação perfeita do Éden, fez com que o ser humano visse perturbada essa
visão de Deus e se tenha desviado ao longo do tempo pelos seus próprios
caminhos. Por isso, rapidamente cai nos extremismos. Quer de uma busca
masculina por um domínio total sobre a mulher (machismo), quer da “rebeldia”
feminina contra esse domínio (feminismo).
Em primeiro lugar, precisamos de assumir claramente que a visão de Deus
para o homem e para a mulher não é de superiorizar um e minimizar o outro. Pelo
contrário, quando Deus criou Adão e Eva, fê-lo tendo nela uma ajudante, alguém
com quem o Seu plano também é partilhado e que trabalha em conjunto com Adão
para honrar a Deus. Citando Matthew Henry:
“A mulher foi feita de uma costela tirada
do lado de Adão; não da sua cabeça para governar sobre ele, nem do seu pé para
ser pisada por ele; mas do seu lado, para ser igual a ele, debaixo do seu braço
para ser protegida, e perto do seu coração para ser amada.”.
Em lugar algum das Sagradas Escrituras, Deus despreza o homem em prol da
mulher ou a mulher em prol do homem. Falando como homem, algo que pode inchar o
nosso ego carregado de testosterona, são passagens retiradas de um contexto,
que servem de pretexto para algo que não deviam (como 1ª Coríntios 14:34). O
contexto geral é visto desde o início: Deus criou Adão e de Adão criou Eva como
ajudante, como parceira, como alguém de igual importância, mas de diferente
função. Homem e mulher devem procurar ser dois num só, como salienta Jesus.
Essa tónica importa imenso, sobretudo se tivermos em conta que, atualmente,
existe uma miríade de discursos sobre direitos e poucos sobre deveres.
MANUAL DE
INSTRUÇÕES – PARA ELES
Ler Efésios 5:22-33 ajuda-nos, sobretudo se for lido tendo em conta
aquilo que Paulo quis transmitir. Ser “a
cabeça da mulher” (v.23, ARC), não implica que sejamos ditadores e que toda
a nossa casa marche ao nosso apito. Pelo contrário, implica que como homens,
saibamos valorizar e amar as nossas mulheres, mesmo que profissionalmente elas
tenham um status mais “elevado” que
nós ou que o ordenado seja maior. Somos chamados para amar como Cristo; e a
melhor maneira é refletir 1ª Coríntios 13 nesse amor. Um amor não castrador,
mas zeloso, esperançoso, decente e cavalheiresco. É um privilégio do homem
poder partilhar a gestão do lar com a mulher, tal como Adão e Eva partilhavam
responsabilidades no Éden. Meus caros, a ideia do “sexo forte” não serve de
desculpa para imprimirmos o nosso ADN na família, na sociedade e na igreja, de
modo totalitarista. Por vezes, creio que ao homem atual faz falta olhar mais
para Oseias e menos para Hollywood.
MANUAL DE
INSTRUÇÕES – PARA ELAS
Se hoje os tempos e a sociedade exaltam a emancipação da mulher,
Provérbios 31 é o melhor guia que uma mulher pode ter. Não apenas porque revela
que a ideia de “opressão patriarcal” é um mito e cai em exagero, mas também
porque exemplifica o papel da esposa ideal. E por ideal entenda-se humana, com
falhas e defeitos, mas que procura levar a Cristo esses traços e deixar que Ele
a aperfeiçoe no seu dia-a-dia. Uma mulher pode, ainda hoje por incrível que
pareça, querer ser mãe de família e educar os filhos. Isso não é minimizador,
pelo contrário. É catalisador. Mas se quiser trabalhar e investir na carreira,
também não peca por isso. O pecar vem quando se coloca o foco, seja o da
educação dos filhos, seja o da carreira, etc., acima do relacionamento com Deus
(em primeiro lugar, seguindo o conselho de Maria em Lucas 1:38) e com o marido
(em segundo lugar). E vice-versa para o homem.
Relembrar também que a inversão de papéis, mulher no trabalho, homem em
casa, é hoje uma opção, não uma norma. E isso pode acontecer por uma multitude
de situações, entre as quais o desemprego. Tal não implica que o homem perca a
sua responsabilidade perante Deus, por zelar pela mulher, filhos e lar; ou a
transfira para a mulher. Voltemos a Efésios! Existe toda uma complementaridade
de funções entre homem e mulher. No entanto também não nos deve levar a um
martirizar e pressionar constante do elemento masculino. Uma mulher que educa
filhos, gere a casa, oferta tempo para os necessitados entre outros, não é uma
mulher passiva ou domada, é uma mulher ativa, que procura honrar a Deus de
todas as maneiras.
Tal como o homem que trabalha para sustentar o lar, não é um escravo ou
um ‘pau mandado’. É o exemplo encarnado de Jesus Cristo, que naquilo que fez,
procurou dar glória ao Pai e demonstrar amor pelo próximo, sobretudo pela
Igreja. Mas mais uma vez, é necessário que sejam dois num só. Que em conjunto
possam desfrutar da noção de que para Deus, nem existe homem, nem mulher, para
que sejam apenas um só em Jesus Cristo.
Algo que está em falta de ambos os lados da barricada nesta geração.
Saber equilibrar Deus e carreira, Deus e família, Deus e eu.
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Ricardo
Rosa
in revista Novas de Alegria, setembro 2017. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico
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