CARN[com]AVAL
Quando
me deixo dominar pelas minhas ideias demolidoras, evitáveis, mesquinhas,
odiosas a roçar o pensamento devastador. Quando me deixo rodear pelo novelo
laçoso da mediocridade do meu interior caído, propenso a uma boa manifestação
de entusiasmo pelo alento invertido nas brasas do desânimo pessoal.
Quando
alimento os pensamentos que me trocam a verdade eterna pela minha leviandade
passageira, morbidamente disfarçada de luz e progresso, faço crescer o “eu”
matreiro e enganador que quer dominar os meus passos. Quando recupero o biblot do ódio (re)passado, com aroma a
podridão insaciável, e o afago delicadamente como se se tratasse de um vaso
valioso e imperdoavelmente imperdível, num egocentrismo a que gosto de rotular
de humano.
Quando
me aconchego desalmadamente no conforto dos direitos, nas inclinações
poético-críticas do descontrole asseado dos meus instintos. Quando odeio a
verdade de que preciso de um travão, mesmo que amargo, mas remédio necessário,
sem posto de vigia pessoal nem alheio, sem limites próprios nem de cima, sem
Rei nem respeito.
Quando
dou um aval pequeno a uma pequena partícula de uma mágoa particular, entrego à
carne o acesso à minha vontade, o regresso ao andar pelo meu sabor imparável.
Um pequeno passo para a liberdade do “eu”, mas um grande passo para a
libertinagem da carne – sem sangue nem ossos, mas com muita energia.
“Sim, meus irmãos, vocês foram chamados
por Deus para viverem na liberdade. Não deixem então que essa liberdade seja um
pretexto para que a vossa natureza carnal vos leve à prática do mal; antes pelo
contrário que ela vos incite a trabalhar, por amor, a favor dos outros. (…) E eis o conselho que vos dou: Andem
debaixo da direção do Espírito, e dessa forma não darão satisfação aos apelos
dos vossos instintos. Porque a nossa natureza pecaminosa é oposta à vida do
Espírito e vice-versa: o Espírito opõe-se aos instintos naturais. Estas duas
forças estão a lutar uma contra a outra e desta forma não fazemos o que
gostaríamos. Mas se nos deixarmos guiar pelo Espírito, já não estamos
sujeitados à lei. (…) Mas o fruto que o Espírito produz em nós é: o amor, a
alegria, a paz, a paciência, a bondade, a delicadeza no trato com os outros, a
fidelidade, a brandura, o domínio de si próprio. Em relação àqueles que vivem
desta maneira, a lei nem sequer tem necessidade de existir.” (Gálatas 5:13,
16-18, 22-23, OL)
Pai,
que Tu tenhas todo o aval para me transformar, guiar, animar, corrigir, estimular,
avisar. Que a minha tendência inata para viver à minha maneira seja destronada
a cada instante pela Tua ação constante em mim. Ajuda-me a vigiar. Sê Tu em mim
a dar-me a força para prosseguir nesta aventura longa, trabalhosa mas
recompensante – porque no final do caminho estás Tu! Assim seja!
Ana
Ramalho Rosa
in Novas de Alegria, março 2019
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