O princípio “Pai Natal”
Desconfio que me vão achar exagerada. Eu
gostaria antes que me chamassem realista. Perturbam-me estes chavões: “Segue os teus sonhos”, “O que importa é te
sentires feliz” ou então “Segue o teu
coração”. Pior é quando pomos Deus ao barulho e queremos que Ele “apare os
golpes” das nossas decisões irrefletidas: “Deus
vai fazer o que queres”, “Deus vai realizar os teus sonhos”, etc. Perturba-me
porque os resultados práticos dessa teologia popular trazem danos a mais para o
prazer ou apenas a ilusão que dão. Confundimos objetivos realistas com sonhos
cor de rosa, mas pior ainda, confundimos Deus com o Pai Natal... Achamos que
Deus nos vai dar carta branca a tudo o que queremos, que somos o centro da Sua
vontade, que Ele não nos quer ver amuados e, por isso, tem que nos dar o que
queremos, como e quando queremos. Então passamos a agir com este falso princípio:
Deus é o Pai Natal.
Não fui eu que dei a vida numa cruz. Não
sou eu que sou o centro do Cristianismo: é Cristo. Mas quantas vezes este papel
é invertido... e se isso é natural na minha velha natureza que teima em me
controlar, não precisa ser estimulado quando nos apresentamos perante outros
irmãos que estão interessados na partilha da Palavra de Deus, preto no branco. Há
uma geração de filhos mimados, exigentes e inconsequentes porque deixámos
entrar uma espécie de romantismo teológico que é atraente aos ouvidos, mas
ferozmente perigoso, porque mais cedo ou mais tarde todos vamos lidar com a
realidade de que ser filho de Deus não é ter todas as vontades satisfeitas.
Essa ausência mistura-se com a revolta, a amargura e o conflito interno de
pessoas que Deus ama, mas que não sabem quem Ele é verdadeiramente, porque
nunca experimentaram um relacionamento construído passo a passo, mas um
acontecimento ou experiência aqui e ali.
Passar tempo a mastigar a Palavra de
Deus urge nesta geração tão malnutrida na alma. Passar tempo a sós com o Pai é
essencial para uma geração que se cansou de luzes e efeitos especiais vazios de
fruto nas suas vidas. Passar tempo com cristãos autênticos – na sua essência
transformada e na sua atitude diária – é fundamental para uma geração que se
fartou de polimentos e fachadas. Quando Ele fala connosco e toca onde ninguém
consegue, e transforma como ninguém pode, assumimos passo a passo a dependência
que vai para além dos resultados. Está firmada Nele. Mesmo entre crises,
fracassos e desaires, há uma centralidade e uma paz incontornável que só Ele
tem capacidade de gerar no nosso íntimo.
A questão passa também pela
disponibilidade que temos em ser contrariados, corrigidos, alertados.
Normalmente fugimos destes meios porque mais tarde ou mais cedo vamos sentir
que precisamos deixar os nossos sonhos egoístas e demagógicos e permitir que
Deus nos leve onde Ele deseja, como Ele deseja. Pelo menos eu tenho esta luta,
todos os dias... Eu ou Deus. Deus é a primeira pessoa interessada no nosso bem.
Mas o que nos faz bem pode não ser o que queremos a todo o custo. E pode não
ser através dos meios que teimamos em usar, muitas vezes sem pensar. Deus vê o
que nós não vemos e sabe o que não sabemos. Não são as palavras soltas que
apanhamos do ar num domingo ou outro que vão fazer a diferença no nosso trajeto
de vida. É para esta intimidade, autenticidade e simplicidade que precisamos
caminhar. Sejamos realistas. O Pai Natal não existe.
“Confia
no Senhor e nunca em ti mesmo. Em tudo o que fizeres põe Deus em primeiro, e
ele te dirigirá nos teus caminhos. Não te consideres sábio aos teus próprios
olhos. Teme o Senhor e volta as costas ao mal; quando assim fizeres gozarás de
saúde e de vitalidade.”
(Provérbios 3:5-8, OL)
Ana
Ramalho Rosa
in Novas de Alegria, abril 2019
Comentários