"E se fosse comigo?"
A verdade é que muitas vezes julgamos o livro pela capa,
usamos os nossos (pre)conceitos para lidar com o outro e fechamos as portas,
para não dizer que criamos muros, ao diferente. Não sabemos a história nem a
vida daqueles que colocamos na borda do prato dos nossos relacionamentos. Por
causa dos óculos embaciados pela nossa letargia e conforto, do alto da nossa suposta
moralidade intocável, desprezamos, ignoramos, e deixamos de fazer aquilo para o
qual Deus ainda nos quer nesta terra, como Seus filhos – ganhar outros para
Ele, independentemente da sua situação atual. Custa muito sairmos da nossa zona
de conforto. Mas não nos podemos esquecer de onde viemos, porque eles, os
outros, estão onde nós já estivemos.
Antes de termos, pela graça por meio da fé em Jesus,
recebido o privilégio de sermos filhos de Deus, eramos Seus inimigos,
independentemente do nosso QI, da nossa conta bancária, do berço de ouro,
palha, madeira ou chão em que nascemos. Mesmo tendo aparência de bondade, e até
sendo os mais fiéis religiosos, o nosso coração tinha de prestar contas a Deus
pelos pensamentos, pelas palavras demolidoras não ditas, e só Cristo podia
fazer esse trabalho interior… mais ninguém. Mesmo sendo os mais rudes e torpes
conversadores, blasfemos, oportunistas ou servos da ira, fomos daí resgatados e
transformados, pelo mesmo Cristo. Andando pelos caminhos tortuosos e sombrios
dos vícios, fossem eles quais fossem, não fora a mão do Salvador e tínhamos
sido levados pela avalanche de dívidas, de destruição, de insatisfação
abrasadora e controladora em que nos tínhamos metido. Sim, cada um tem a sua
história, mas todos precisámos do mesmo Salvador. Todos precisámos reconhecer a
nossa condição de pecadores incapazes de resolver o problema do pecado e das
suas consequências letais.
E os outros? Os que ainda estão do outro lado? Custa
pormo-nos no lugar do outro, confrontarmo-nos com a sua realidade. Não é fácil
descermos do nosso pedestal e sermos humildes o suficiente para o fazermos, mas
é preciso! O mesmo Jesus que nos salvou disse para irmos e falarmos dessa
mensagem de salvação a todos, e não apenas àqueles que, na nossa opinião,
merecem ou têm a maior probabilidade de serem salvos. Precisamos ser uma luz
que aponta para Jesus, através do amor que demonstramos naquilo que fazemos,
sem esquecer a verdade que precisamos levar – verdade que liberta. Esta
sociedade precisa que o façamos. Que andemos a 2ª milha, que demos a 2ª camisa,
que sejamos, como Jesus, movidos de íntima compaixão. E Ele era Aquele que mais
razões tinha para não o fazer. Ele, sendo Deus, era Aquele contra quem pecámos
(e pecamos) todos os dias. Mas, pela Sua Graça, veio e tomou a culpa que cada
um de nós deveria levar sobre si. A culpa que nos levaria a uma condenação
eterna. A culpa que EU merecia.
E agora? Lembremos que nós, beneficiários desta maravilhosa graça,
temos o dever de ser graciosos com quem nos rodeia... perdoar os que nos
ofendem, amar os inimigos, fazer bem aos que nos maltratam e falar desta
mensagem de esperança a todos. Ora, falo por mim, isto dói ao nosso ego
enganado, pensando que ser filho de Deus tem a ver com algum merecimento...
nada merecíamos nem merecemos. É preciso olhar pelos Seus olhos de compaixão,
antes de julgar a desgraça alheia, e pensar “E se fosse comigo?” Se fosse
comigo, contigo, com todos, a notícia necessária seria a mesma: “Deus amou
tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crê não
se perca, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16)
Ana Ramalho Rosa
in Novas de Alegria, março 2020
Comentários