Reconheço...


Meio-dia. A fome aperta e Pedro aguarda que lhe preparem o almoço. Está no terraço da casa de um amigo, perto do mar, a orar… e é interrompido duma maneira inesperada.

Numa visão Pedro é desafiado por Deus a deixar de lado os preconceitos com que vivera toda a vida ‘Não consideres impuro o que Deus tornou limpo!’ (…). Entretanto, enquanto Pedro cismava na visão, o Espírito Santo disse-lhe: ‘Vieram três homens à tua procura. Desce, vai ao encontro deles e acompanha-os. Não receies; fui eu que os mandei.’” (Atos 10:15b, 19-20, OL, sublinhado da autora). Pedro desce e ouve aqueles homens, enviados por um centurião romano, Cornélio, que era piedoso, orava a Deus e usava de generosidade para com os pobres, assim como a sua família. Obediente às indicações de um anjo, Cornélio enviou-os para ir chamar Pedro a casa de Simão, o curtidor. “Pedro convidou-os a entrar e passaram a noite em sua casa. No dia seguinte foi com eles, acompanhado por alguns outros crentes de Jope.” (Atos 10:23, OL).

Quando a comitiva chegou a Cesareia encontrou na casa de Cornélio a sua família e alguns amigos. “Pedro disse-lhes: ‘Sabem que é contra as leis judaicas eu relacionar-me com um estrangeiro ou entrar no seu lar. Contudo, Deus mostrou-me numa visão que nunca deveria considerar alguém impuro ou imundo.’” (Atos 10:28, OL, sublinhado da autora). Depois de Cornélio lhe contar o que se passou, explicou: “’(…) Agora, pois, estamos todos presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto por Deus te é mandado’. E, abrindo Pedro a boca, disse: ‘Reconheço, na verdade, que Deus não faz distinção de pessoas, mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e obra o que é justo’.” (Atos 10:33b-35, sublinhado da autora)

Atos 10 conta-nos o início da pregação do Evangelho aos não judeus (ou gentios). Apesar de Jesus ter sido claro de que as Boas Novas seriam para pessoas de todas as nações (Atos 1:8; Marcos 16:15; Mateus 28:18-20) até aqui esta mensagem tinha chegado apenas aos judeus. Então Deus vai agir de uma forma sobrenatural: fala a um gentio através de uma visão e prepara um cristão de origem judaica, Pedro, para deixar os seus preconceitos, ir a casa desse gentio, de uma classe social bem diferente da sua, e anunciar-Lhe o Evangelho… E o resultado foi surpreendente! A sede daquelas pessoas pelas coisas de Deus era tal que enquanto Pedro pregava “o Espírito Santo desceu sobre quantos o escutavam” (Atos 10:44b, OL). Os crentes de origem judaica que acompanhavam Pedro ficaram espantados – aconteceu com aquelas pessoas o mesmo que no dia de Pentecostes.

Segundo dados do Joshua Project (joshuaproject.net), dos cerca de 8 mil milhões de pessoas que existem na Terra, 3,4 mil milhões são consideradas não alcançadas – ou seja, pertencem a povos onde menos de 2% das pessoas são assumidamente cristãs. São a Índia, Paquistão, China, Bangladesh, Nepal, Indonésia, Sudão, Rússia, Laos e Nigéria. Estes países têm algo em comum – em todos eles há perseguição aos cristãos – uns de um modo mais agressivo outros mais soft (se é que isso possa existir!) – e a língua oficial não é o português.

Em Portugal, existem vários concelhos por alcançar com o Evangelho, mas os evangélicos já são mais de 2% da população. Muitos de nós somos filhos (ou netos) dos primeiros crentes da igreja na nossa localidade. Fazemos evangelismo sem medo de acabar na prisão e temos liberdade para assumir a nossa fé. Estamos tão habituados a este conforto que nem pensamos que do outro lado do Mundo ou do outro lado da rua há um “Cornélio” que ainda não sabe quem é Jesus nem qual a sua necessidade de salvação. Um “Cornélio” que não fala português, espanhol ou francês – talvez soletre algumas palavras em inglês. Que provavelmente nasceu num país e numa família cuja religião lhe diz que se se converter a Jesus todos os seus familiares têm de cortar laços com ele – e pode ser expulso de casa. Esse “Cornélio” pode estar no seu país de origem ou em Portugal, para onde veio à procura de uma vida melhor – e não sabe ainda que Jesus pode dar esperança e uma nova vida. Pode ser budista ou islâmico porque foi aquilo que aprendeu no seu país, através dos seus pais, e porque de onde vem não há liberdade religiosa – mas agora está aqui. Que oportunidade!

O que aconteceria se nos disponibilizássemos para Deus nos usar a alcançar quem precisa, independentemente da sua língua, da sua tradição religiosa, da sua origem? Se permitíssemos que o nosso conforto e segurança humanos fossem desafiados, até que todos ouçam o Evangelho? Seja para alcançar alguém na nossa rua ou num país distante, precisamos que todos orem e contribuam, mas também que alguns se possam preparar, conhecer a cultura, a religião, aprender novas línguas ou dialetos, etc., para ir, conhecer as pessoas, as suas histórias, e transmitir-lhes a Boa Nova.

Talvez como aconteceu com Cornélio, que Deus prepare os seus corações. E que nós sejamos sensíveis e reconheçamos, como Pedro reconheceu, que temos deixado que os nossos preconceitos nos toldem a visão de que todos e cada um que precisa ouvir o Evangelho.

Reconheço…

 

Ana R. Rosa


in revista Novas de Alegria, abril 2024;Photo by Harsh Gupta on Unsplash

 


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