O desafio da Paternidade
Escrever um texto sobre paternidade ou sobre parentalidade não é, de todo, algo fácil. Mas, de algum modo, há sempre uma passagem que ficou gravada na memória e que não consigo deixar de associar ao tópico: “Sigam, pois, o meu exemplo, como eu sigo o exemplo de Cristo.” (1 Coríntios 11:1-2, BPT).
A verdade é que,
refletindo no tópico, encontro sempre cinco elementos que são um desafio para
uma paternidade saudável e que siga a orientação paulina à igreja em Corinto
que é, no entanto, uma orientação geral, para qualquer crente, de qualquer
sexo, raça, época, estatuto social, etc.
1º DESAFIO – DEUS
Como é que Deus pode ser um desafio para a parentalidade? Soa um pouco a paradoxo, sobretudo se tivermos em conta que escrevo numa revista cristã, evangélica, numa secção que visa auxiliar quem lê, a encarar a parentalidade como uma boa ferramenta para ajudar os filhos a crescerem de modo saudável, estruturado, realista e exemplar. Bom, diria que, em primeiro lugar, a parentalidade (que é o que diz respeito que é parental, um adjetivo, relativo a ser pai ou mãe) é o traço mais básico do ser humano, que aponta para uma necessidade de alguém para existir. Explico melhor: tal como Deus criou Adão e Eva, fazendo o Homem existir; nós também só existimos porque alguém nos criou. Alguém nos fabricou (se é que podemos usar esse termo). E isso demonstra, claramente, que há uma necessidade de compreender quem somos, o que estamos “aqui” (existência) a fazer, de onde vimos, para onde vamos, etc.
Todas essas questões
essenciais para que uma pessoa tenha uma perspetiva alargada de si mesma têm
resposta em Deus e num relacionamento com Ele, o que pressupõe uma conversão,
ou seja, o reconhecimento de que somos pecadores (Romanos 3:23, 1 João 1:8), que
falhamos (que fazemos o que não devemos ou não fazemos o que devemos – Romanos
7:19), que Jesus de Nazaré é o Salvador e Redentor enviado por Deus (João 3:16,
1 Pedro 1:18-19), que Ele veio para restaurar a ligação danificada desde o
Jardim do Éden, entre Homem e Deus (2 Coríntios 5:18-19); que necessitamos do
Seu perdão (Atos 3:19), de passarmos a segui-Lo diariamente, independentemente
das circunstâncias e de nos comprometermos a viver cada dia, mais como Ele e
menos como nós (Gálatas 2:29, Efésios 4:22-24). Diria, então, que o 1º desafio
é o de qualquer pai ter esta noção e convicção: não vou ser um bom pai ou mãe,
a menos que tenha uma boa relação com Deus. E, entenda-se, não é uma relação
perfeita, assente no mérito do ser humano; é uma relação em aperfeiçoamento que
assenta na perfeição de Deus.
2º DESAFIO – EXEMPLO
Por ser um relacionamento assente em Deus e não nas nossas capacidades, o exemplo é uma determinante muito grande (se não mesmo a maior, logo a seguir a Deus) do tipo de pais que queremos ser para os nossos filhos. Por que motivo? Bem, basicamente, um dos maiores exemplos daquilo que somos (ou optamos por não ser) vem exatamente dos nossos pais. E, por pais, entenda-se não apenas o homem e mulher que são os nossos progenitores, mas, sobretudo, as pessoas que nos educaram e acompanharam. Se uma imagem vale por mil palavras, um bom exemplo, vale um milhão! O que queremos que os nossos filhos sejam, devemos ser nós a sê-lo em primeiro lugar (Deuteronómio 6:6-7, Filipenses 4:9). Não pode existir dissonância entre o que dizemos e como vivemos (Tiago 1:22). Se dizemos ser cristãos, não podemos ser algo desconexo da nossa fé (Mateus 5:16, Colossenses 3:17). Isso significa que devemos ocupar a nossa agenda e horário com incontáveis atividades na igreja local e outras que, levando a uma perceção de que por estarmos a servir a Deus, Ele vai cuidar dos nossos filhos? Não (Deuteronómio 29:29; 30:19, Eclesiastes 3:1, 1 Timóteo 5:8).
O melhor de todos os
casos é o de David que, tendo sido (provavelmente) o melhor rei de Israel, teve
vários problemas com os seus filhos, porque não foi o melhor exemplo para os
mesmos. Recordemos o que aconteceu com Bate-Seba (2 Samuel 12), levando à morte
de um filho ainda criança e, consequentemente, a uma profecia sobre o futuro da
sua descendência (2 Samuel12:10-12), que se materializa nas tragédias de Tamar,
Amnon e Absalão (2 Samuel 13-18). Este desafio é importantíssimo, sobretudo na
cultura de entretenimento e pós-cristã em que hoje estamos inseridos, onde os
dispositivos móveis, a televisão e os serviços on demand (filmes, comida
entregue em casa, séries, livros, etc.) são cada vez mais usados e onde
as ligações virtuais das redes sociais virtuais substituem as ligações físicas
e emocionais no lar. O conselho de Jetro a Moisés (sogro e genro) em Êxodo
18:17-23 é uma base sobre como viver nos dias atuais.
3º DESAFIO – CARIDADE
O desafio da caridade
não é menos importante. O facto de ter uma escrita menos extensiva, apenas
explica que é tão elementar que um só capítulo da
Bíblia fala profunda e
poeticamente dele, sem deixar cair a sua carga de vitalidade para todo o ser
humano e os seus relacionamentos familiares. A nossa família pode ter tudo. Uma
casa ampla, com todos os equipamentos mais recentes, bons vencimentos, todo o
tipo de mordomia, o que quer que sonhemos… se não tivermos amor, então, não
vamos ter o essencial. É Paulo quem o diz, usando outras palavras, noutra época
e contexto, mas com uma aplicação que é larga o suficiente para incluir aquilo
que represente este desafio (1 Coríntios 13).
4º DESAFIO – SANTIDADE
Se em relação à
caridade falamos de um capítulo inteiro, aqui usamos três versículos. E não por
ser menos importante. É tão importante que é elementar para uma boa
parentalidade. Leia-se Levítico 20:7, 2 Tessalonicenses 2:13 e Hebreus 12:14. A
santidade deve ser demonstrada. Como alternativa a programas de largas horas em
frente a ecrãs ou outro tipo de ocupações, porque não viver de modo santo e que
leve os nossos filhos à santidade? Como? Lendo a Bíblia em conjunto, fazendo o
devocional diário ou recuperando o culto doméstico, agindo de modo amoroso para
solucionar necessidades de pobres, órfãos, viúvas ou estrangeiros, por exemplo.
O ponto fulcral é este: a santidade deve ser autêntica e experimentada, não
falsa e teorizada. Com isto quero dizer que se Deus quer que sejamos santos e
procurarmos viver para a Sua glória (1 Coríntios 10:31), vamos também estender
esta prática da santidade aos nossos relacionamentos, como forma de abençoar.
E, por onde devemos começar? Pelos domésticos da fé (Gálatas 6:10) que, ainda
antes da nossa igreja local, são a primeira igreja local da qual fazemos parte:
a nossa família.
5º DESAFIO – OBEDIÊNCIA
É algo que, muitas vezes, conveniente ou inconvenientemente, esquecemos. E, quem nos ajuda a recordar isso é Saul, que, ironicamente, foi um dos melhores exemplos de falta de obediência. Podemos ler e meditar nesta passagem em 1 Samuel 15:22. Obedecer é melhor do que sacrificar, muitas prendas, muitos discursos e pouca demonstração de uma fé viva. Se queremos ser os filhos que os nossos pais necessitam (não o que eles querem que sejamos por eles – isso é fonte de muitos problemas mal resolvidos nas famílias, infelizmente) e os pais que os nossos filhos necessitam, não podemos perder a obediência de vista. Mas, a quem e como? Simples. A Deus, e de modo integral. Não é uma sugestão divina, é um mandamento. Logo, é algo que devemos fazer continuamente (Deuteronómio 27:10). Não podemos escolher obedecer quando é conveniente. Isso qualquer ser humano faz. Mas, pessoas que desejam genuinamente ser obedientes vão fazê-lo continuamente, tal como Jesus.
Termino, deixando um
pensamento de Augusto Cury, da obra Treinar As Emoções Para Ser Feliz para
que nós, pais, possamos lembrar-nos destes desafios e da importância de
estabelecermos padrões: “Os pais que não arranjam tempo para os seus filhos,
que se envolvem excessivamente com o trabalho vão desejar mais tarde poder
comprar o tempo e voltar atrás. Mas o tempo passado não está mais à venda no
grande mercado da vida, apenas o tempo presente. (…) Muitos pais querem dar o
mundo aos seus filhos, mas não são capazes de se darem a si mesmos. Muitos
querem dar-lhes excelentes diplomas, mas não os preparam para a escola da vida.
Os pais precisam de ver o mundo com os olhos deles e perceber o que está por
trás da cortina dos seus comportamentos. Quem só vê a cortina não compreende as
camadas mais íntimas da vida”.
Ricardo Rosa
in revista Novas de Alegria, maio 2025
Comentários