A bata azul
Ao palmilhar o espaço comercial
submerso pela multidão, cruzo-me com ela – uma mulher de bata, de olhar
cabisbaixo, apoiada na companheira daquelas horas de trabalho, uma esfregona.
Mãe
solteira aos 16 anos, deixou-se desiludir pelo amor e decidiu seguir em frente,
mas voltou a entregar-se em busca de um amor que não encontrou e viu-se com
duas crianças nos braços, ainda não tinha feito 21 anos.
Ajeita
a sua bata azul, já manchada pela labuta do seu dia, e segue para o corredor
até à outra casa de banho. Ela espera pela sua vez de entrar e limpar o que os
outros sujaram. A multidão que se cruza ignora-a de todo, excepto se estiver a
impedir-lhe o caminho. Na sua face a expressão de uma certa angústia e
melancolia pela poluição emocional que lhe arrasta o coração de casa para o
emprego, do emprego para casa, à boleia da má fama do bairro em que sobrevive.
A
sua vida, como a sua bata, há muito abandonou o estado original. A esperança
ficou pelo caminho. A mancha dos seus erros espantou-lhe a alegria. As mágoas
alheias estragaram-lhe a autenticidade.
Enquanto
a vejo, lembro-me de tantas pessoas que conheço. De tantos casos rotulados como
perdidos, que foram achados e restaurados por Deus. E lembro-me também da nossa
insensibilidade quando estamos aqui e ali, fora das quatro paredes do Templo...
“Jesus propôs mais outra parábola para
alguns que se julgavam pessoas muito justas e desprezavam os outros: ‘Dois
homens foram ao templo para orar. Um deles era fariseu e o outro cobrador de
impostos. O fariseu, altivo, orava assim: «Ó Deus, agradeço-te porque não sou
como os outros, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este cobrador
de impostos que ali está. Jejuo duas vezes na semana e dou a décima parte de
tudo o que ganho.» Mas o cobrador de impostos ficou à distância e nem sequer se
atrevia a levantar os olhos para o céu; apenas batia com a mão no peito e
dizia: «Ó meu Deus, tem compaixão de mim, que sou pecador!»’ E Jesus concluiu: ‘Afirmo-vos
que o cobrador de impostos foi para sua casa justificado aos olhos de Deus, ao
contrário do fariseu. Pois todo aquele que se engrandece será humilhado e todo
o que se humilha será engrandecido’.” (Lucas 18:9-14, BPT).
Quando
olhamos para o lado, fingimos que não vemos ou nos “congratulamos” por sermos
“melhores”, como se o fossemos por mérito próprio e como se isso nos desse o
direito de nos sentirmos superiores. Mas Jesus explicou: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.
Ora eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.” (Marcos 2:17, BPT)
Jesus
veio para aqueles que admitem a sua necessidade, a sua mancha, o seu pecado e
más decisões. É essa atitude, de humildade e renúncia, o pano de fundo para uma
entrega total a Cristo e para que Ele nos torne em novas pessoas, nos limpe e
transforme, dia a dia, e outros reconheçam aquilo que Ele é e faz, pela Sua
imensa graça, em nós.
O
Seu convite continua de pé. “Venham ter
comigo todos os que andam cansados e oprimidos e eu vos darei descanso. Aceitem
o meu jugo e aprendam comigo, que sou manso e humilde de coração. Assim o vosso
coração encontrará descanso, pois o meu jugo é agradável e os meus fardos são
leves.” (Mateus 11:28-30, BPT)
Ana Ramalho Rosa
in
revista Novas de Alegria, março 2014
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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