"Não há vida no frio, na escuridão. Aqui no vazio, só a morte."
A ausência de vida é todo o caos existente. Em si mesma,
esta ideia pode parecer contraditória, mas assenta na premissa da ausência de
vida. Não existe vida no frio, não palpita o coração no ambiente gélido e
glaciar do vazio. Quando a vida está ausente, existe apenas a morte; aquilo que
para uns é um final de linha declarado, mas para outros é meramente um estado
de transição para uma etapa seguinte.
O vazio é dominado pela morte, não existe argumento que o
detenha. Cheio de escuridão e frio, remete para o pensamento atroz da máxima
pena de isolamento e solidão. Uma solidão eterna, um isolamento pleno de temor
e completamente ressequido de bondade.
Quando Moisés relata todo o processo da criação divina,
nos capítulos 1 e 2 de Génesis, aponta que a terra era sem forma e vazia, um
nada existencial completamente desordenado e sem vida. Este é o caos primordial
que se reflecte numa vida sem Deus. Uma total ausência de fôlego, um ponto na
contínua recta da inacção...
UMA LUZ QUE DIVIDE
O ESPAÇO
Mas eis que existe então uma alteração! Perante um abismo
negro que devora o homem que para ele olhe (seguindo a máxima de Nietzsche), eis
que surge a luz criada a partir da ordem divina. É a voz divina que humaniza o
processo da Criação. Deus, que cria e sustenta todas as coisas, ordena a
criação da luz que separa da escuridão. Deus começa a criar vida com a criação
da luz, usando esta passagem para a dimensão escatológica da Criação. Um dia a
luz criada extinguir-se-á (Isaías 60:19) e a presença física de Deus no meio do
Seu povo servirá de luminar. Mais do que a Shekinah no Templo, é Deus que se
manifesta em glória eterna e em cuidado com os Seus filhos.
A luz que aquece e nutre a vegetação, que ilumina de dia
e de noite é fonte de vida. Com o processo da Criação, inverte-se a tendência
da morte no vazio, o próprio vazio começa lentamente a ser eliminado, povoado e
delimitado. A ausência de vida esbate-se perante as palavras de um Deus que
cria, que ama, que faz do melhor da Sua Criação (o ser humano) um elemento
sinérgico consigo mesmo. O bara’ de
Deus é apenas e só d’Ele. É o criar ex
nihilo que só alguém Todo Poderoso poderia fazer. Não é uma espécie de
criação darwiniana e vaga, sem interligação entre pedaços de tempo e história.
É uma criação total e absoluta, formada a partir do negativo, Deus inverte as
tendências da Física naquele momento e cria algo a partir do nada. Um Deus que é
eterno, define um elemento vital sem o qual hoje não vivemos, mas que virá a
ser substituído pela Sua presença.
Jesus é a Luz mais brilhante da Menorah da criação
divina, a luz que divide espaço e tempo, fazendo-os rebentar a partir do nada.
A fala de Deus é um discurso que gera, que faz crescer, que faz aparecer. Dá
vida com as Suas palavras, cria com o Seu mandamento.
É Ele mesmo que forma o Homem do pó, que insufla nesse
molde o espírito da vida, condenando à partida a inexistência. Deus cria o
Homem à Sua imagem e semelhança, espiritual e moral, dialogante e comunitário,
harmonioso e perfeito. Toda a antítese de vida cai por terra, a mesma da qual
Adão foi feito, a mesma que se encontra densamente representada na química do
corpo humano. Deus chama Adão para dar nome aos animais, para em conjunto com
ela crescer e frutificar, multiplicando-se e dominando sobre tudo o que Deus
havia criado.
Cessa a presença de um vazio profundamente (e
ironicamente) cheio de morte. Brota a vida em torrente, prova-se a abastança de
existência onde outrora existia frio e feiura. Um espaço desfigurado e
inestético, é tornado agora habitação do Homem e local de encontro com Deus.
Mais do que uma pré-figuração do Paraíso, o Éden é a antítese da Mordor de
Sauron. Não existe um vazio existencial, não existe escuridão punitiva, não
existe morte.
ANTÍTESE DA MORTE
Toda a obra criativa de Deus dá origem à vida, porque
Deus não é uma figura morta. Não é um demiurgo impotente, um ídolo vazio,
distante ou adormecido tal como Baal, que é ridicularizado por Elias no monte
Carmelo (1º Reis 18:25-29) . Aos racionalistas e pós-modernistas que
rapidamente secundam a ideia da morte de Deus (proclamada por Nietzsche em
"Gaia Ciência"), a resposta de Deus é vida com abundância por meio de
Cristo Jesus (João 10:10).
Passados vários anos da morte do filósofo alemão, o que
lemos nesta declaração pode ser dividido em duas partes: Nietzsche decretou que
Deus havia morrido para ele, afastando-se consequentemente para o seu abismo de
morte e frio; a outra conclusão é mais simples, basta olharmos em volta e
perceber que o mesmo Deus que sustenta a Sua Igreja contra o Inferno, está
vido, dá vida e é vida.
A derrota da morte eterna, do vazio existência, do desespero frio e feio na escuridão é
firmada por Jesus no Calvário. O Senhor da Paz esmagará ainda a oposição que se
lhe afronte debaixo dos pés daqueles que foram retirados da morte para a vida
(Romanos 16:20).
Poderá parecer uma ideia contraditória, a de alguém
morrer para derrotar a morte e os seus dardos. A isso Cristo responde-nos
claramente dizendo que dá a Sua vida
para tornar a tomá-la e ser o símbolo máximo entre nós, de que existe
mais do que o abismo da negação divina (João 10:17-18).Um abismo frio e
penetrante, que outrora nos separava de Deus, é agora cheio de um amor mais
excelente e que torna esse abismo numa planície, onde podemos correr com
confiança para o Pai e ser recebidos numa morada eterna (João 14:1-3,
Filipenses 3:12-14).
ABYSSOS FINITUS
De facto, onde o Sol não brilha é assumido que não exista
vida. Mas Cristo sai do sepulcro e mostra-nos que ainda que o Sol não brilhe, é
no abraçar divino a cada um de nós que encontramos vida. A promessa profética
do apocalipse joanino (Apocalipse 21:4) é a de que Ele mesmo enxugará dos
nossos olhos todas as lágrimas, não havendo mais tempo ou espaço para a morte,
para o lamento, para a dor e para o choro. Maior do que o Sol Invictus é o
Christus Rex, cuja existência não depende dos factores externos naturais, mas
cuja vida como a conhecemos depende d'Ele para subsistir.
O frio e o vazio da ausência de ligação a Deus estão
destruídos. Em Cristo temos o restabelecimento da ligação outrora amputada, da
relação danificada no Éden. A morte e todo o desespero são lançados num abismo
profundo, onde as geladas ondas de tristeza e solidão são também enterradas.
Existe vida na Luz de Cristo, no afecto amoroso do Pai.
Aí, na Sua presença que nos inunda e preenche, temos vida. E vida em
abundância...
Ricardo Rosa
http://www.apologetica.pt/?p=585
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