Ligados ou desligados?
Como as redes sociais estão a transformar a sociedade
Quando ouvimos falar em redes sociais, rapidamente pensamos em páginas da Internet como o Facebook, o Twitter ou o Instagram. A nossa cultura dependente de tecnologia e de produtos on demand[1] cada vez mais nos modela a conceção do que são redes sociais. Mas de facto, estamos longe de nos lembrarmos que uma rede social não se refere especificamente a grupos de pessoas que partilham conteúdos na Internet. Muito pelo contrário, tem assente a sua ideia fundamental na disciplina de Sociologia e no estudo dos comportamentos e grupos humanos.
Uma rede social pode ser definida como um aglomerado de
relacionamentos entre pessoas e de interações sociais, definição que começou a
ser cunhada pelo filósofo francês Émile Durkheim no final do Séc. XIX[2].
Com o advento da tecnologia e de uma cada vez maior centralização da sociedade
no Homem, as redes sociais têm migrado dos padrões teóricos da Sociologia para
a prática diária.
CADA VEZ MAIS
(ANTI)SOCIAIS?
Ao pensarmos nas redes sociais no mundo virtual, surgem
algumas questões. Será que este tipo de interação social nos beneficia ou
prejudica? Até que ponto influencia ou não parte da nossa vida e do nosso
relacionamento com Deus e com a Igreja? Antes de mais, precisamos de perceber
que as redes sociais virtuais são uma ferramenta, por si só não são nem
instrumentos malignos, nem benignos. Nas mãos certas um bisturi salva vidas,
nas erradas pode tirá-las. O uso desta ferramenta é que ajuda a dar testemunho
do tipo de relacionamento com Deus que fomentamos.
Tendencialmente, as comunidades virtuais procuram crescer e
tornar-se um centro populacional virtual, onde existem sociedades à margem da
real (e atual). Sociedades com regras e códigos de conduta, onde os mais
infratores são punidos, chegando a ser expulsos dessas comunidades. O site
Joystiq dá conta que no início de fevereiro de 2014, o jogo World of Warcraft (que é jogado por
largas quantidades de jogadores online em
modo massivo, isto é, todos ao mesmo tempo) atingiu o total de 7,8 milhões de
utilizadores[3],
quase tantos como os habitantes de Portugal continental. Por outro lado, o
portal Statista mostra-nos que o top 5 mundial de países de acordo com o número
de utilizadores do Facebook é composto por 4 países onde a pobreza é um
problema constante, onde as desigualdades sociais se agravam continuamente e
onde a violência ainda impera[4].
O uso narcisista das redes sociais virtuais é comum, no
entanto existem várias pessoas e organizações que utilizam este meio para não
só contribuírem para o avanço do Evangelho, como para ajudar o próximo. É nesta
tensão cibernética que muitas pessoas vivem diariamente, sobretudo aquelas
cujas profissões se centram na comunicação via Internet ou na gestão de páginas
de redes sociais virtuais. Torna-se fácil esquecer que online todos nós devemos continuar a ser cristãos, com a nossa
identidade assente em Cristo e que, por isso, não devemos estilhaçar em
ambiente virtual os princípios pelos quais vivemos (1ª Coríntios 10:23, 31,
32).
O testemunho dado nas comunidades virtuais, onde partilhamos
pensamentos e imagens, é um reflexo do que carregamos no nosso interior (Mateus
12:34, 35). À vida prática no mundo real deve equivaler o testemunho dado nas
comunidades virtuais. Seguir o conselho de Paulo para fazer tudo para a glória
de Cristo também se enquadra neste aspeto, sobretudo quando as comunidades
virtuais são levadas tão a sério quanto as comunidades físicas e reais. Apesar
da realidade ser virtual, os comportamentos nela tidos devem ser (e são mesmo)
bem reais.
Mas um conjunto de amigos virtuais, com quem na maioria não
temos contacto direto e pessoal diário ou semanal, não pode substituir a
presença real do nosso próximo, sejam ele o colega de trabalho, a mãe, o
vizinho ou o irmão com quem partilhamos o hinário na igreja. O reflexo da
imagem de Deus no Homem não é o isolamento, mas sim a ação comunitária
harmoniosa e dotada de amor (Efésios 4:15,16, 32). E vem desde o início dos
tempos, quando Deus na Sua perfeita e tripla pessoa cria o ser humano para
dominar sobre toda a terra (Génesis 1:26).
Tornamo-nos mais sociais virtualmente, isto é, em situações
em que o nosso desconforto não é acionado; por outro lado, existe uma tendência
preocupante de isolamento como refere o psicólogo Graham Jones[5].
Em conjunto com os problemas de isolamento, aparecem associados os problemas de
passividade emocional que se geram e a criação de uma perceção adulterada de
quem são as pessoas com quem interagimos.
Se o uso sensato destas ferramentas escalar para uma
dependência séria, existe a possibilidade real de emocionalmente um indivíduo
se tornar apático perante a sociedade. E quem deve ser sal e luz (Mateus
5:13,14) não pode deixar de salgar ou de iluminar o caminho. Apatia não condiz
com uma vida cheia de Cristo!
POSTS, LIKES E AFINS
Uma das grandes vantagens de comunidades como o Facebook é o
amplo auditório que podemos formar (ao escolher conectarmo-nos a alguém). Esse
conjunto de pessoas com quem nos ligamos passa a ser público que tem acesso ao
que partilhamos, que pode conhecer melhor a nossa atividade virtual e com quem
nos “relacionamos”. Os likes são
expressões de aprovação, os shares
uma demonstração de concordância, os tags
um reconhecimento pessoal sob a forma de um texto, de uma imagem ou de um
vídeo.
Geralmente, um utilizador partilha algo com o qual concorda,
que aprecia ou no qual se revê. E se podemos partilhar golos mirabolantes de
Ronaldo, discursos inflamados de Luther King e ondas de saxofone vibrantes de
Coltrane, então porque não partilhar a conversões miraculosas no Irão ou
sermões que alimentam a nossa alma?
O primeiro exemplo de comunicação orientada para grandes
massas humanas é dado por Deus em Habacuque 2:2. Se o Deus fascinantemente
criativo ordenou ao profeta que criasse o primeiro placard publicitário de que temos conhecimento, porque não seguir
este exemplo e partilhar o Evangelho com quem nos lê nas redes sociais? No
fundo, é apenas o seguimento dos posts primordiais
realizados quer por Jeremias (Jeremias 30:2), quer por Naum (Naum 1:1). Registos
do que Deus nos transmite para posterior leitura, tanto nossa como de quem nos
rodeia.
Todos nós temos um auditório que atenta para as nossas
palavras, uma assembleia que podemos abençoar. A Grande Comissão transmitida
por Jesus (Mateus 28:18-20) torna-se mais rica e capaz de chegar a qualquer
povo, nação ou gente. Não é suposto as redes sociais serem igrejas virtuais,
mas são campos missionários em potencial e à espera de quem os possa trabalhar!
GENEROSIDADE VIRTUAL
O aumento de contactos também torna mais fácil qualquer ação
de generosidade ou apoio social. E a nível virtual, isso acaba por se refletir
visto termos ao nosso dispor mais pessoas do que normalmente teríamos. Mas se
existem excelentes ações[6]
que têm bons resultados, também se cai numa dormência no que toca à
manifestação física do nosso ativismo -
o termo corrente é slacktivism,
traduzido para português corrente, ativismo preguiçoso. Alguém que partilha
estados, imagens ou subscreve petições virtuais sem realmente se importar ou
tentar auxiliar em campanhas ou ações de apoio ou humanitárias fora da
internet.
A generosidade não pode limitar-se ao campo virtual, uma vez
que todos os exemplos de amor e generosidade presentes na Bíblia nos demonstram
que são práticos e para serem vividos (Romanos 13:8, Colossenses 3:12-15, 1ª
João 3:11). É possível angariarem-se fundos e pessoas, mas existe sempre um
dever central em ligarmo-nos àqueles que nos rodeiam, não apenas de modo
virtual mas também (e mais importante) de modo real. O amor requer prática e
por isso excede qualquer barreira de preguiça, tal como Paulo nos ensina em 1ª
Coríntios 13.
A MELHOR REDE SOCIAL
A soma final de todos os fatores leva-nos a perceber que as
redes sociais virtuais não são de todo maléficas em si, mas podem ser mal
aproveitadas. Tal como todas as coisas, não podem ser substitutas do
relacionamento pessoal com Deus. Ao cair-se nesse extremo, cai-se no velho
hábito da idolatria, mudando do bezerro de ouro para o perfil da rede social. A
comunhão com a igreja local não pode ser trocada pelos grupos e páginas de
interesses comuns, nem a exortação ou o consolo podem ser trocados pelos likes e comentários de outros.
A verdadeira, maior e melhor rede social a que nos podemos
ligar à Igreja contra a qual as portas do Hades não prevalecem (Mateus 16:18) e
que é o Corpo submisso ligado à cabeça que é Cristo (Romanos 12:5, Efésios
5:22-25). É nesta rede que devemos permanecer continua e verdadeiramente
ligados. Não é uma rede virtual desenvolvida com base na Matemática, é uma
interligação de vidas em transformação contínua, que é validada pela morte e
ressurreição de Cristo em favor de restabelecer o link quebrado entre Homem e Deus. É uma rede real, uma rede eterna,
uma rede sem igual!
Ricardo Rosa
[1]
- produtos ou serviços que nos são fornecidos por nossa escolha e no momento
imediato que o escolhemos;
[2]
- DURKHEIM, Emile (1893). De la division du travail social: étude sur
l'organisation des sociétés supérieures, Paris: F. Alcan.
[3]
- http://wow.joystiq.com/2014/02/06/world-of-warcraft-up-to7-8-million-subscribers/
[4]
-
http://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/
[5]
-
http://www.grahamjones.co.uk/2012/articles/social-media-articles/does-social-media-create-social-isolation-or-unity.html
[6]
- Consultar algumas campanhas como: http://waterislife.com/
ou http://invisiblechildren.com/kony/
in revista Novas de Alegria, agosto 2014
Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico
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