Ainda é tempo...
Olhar triste e
cabisbaixo. Entra no autocarro, sem proferir palavra, mergulhada em
pensamentos, vagueando nas veredas do sabor amargo da derrota não proferida.
Os sonhos agarrados com as duas mãos, de uma vida mais
acelerada, mais feliz, mais livre, tornaram-se pesadelos reais, que descambaram
na prisão, de mãos e pés atados no orgulho da inadmissão do erro.
Quando a tentação bateu à porta da fragilidade, no meio
do aperto e no sabor do momento, caíram as defesas, esbarrou-se, pisou-se e
ultrapassou-se a linha. Brincou-se com o pecado, e o rastilho queimou-se,
suavemente, até a bomba da apostasia rebentar por todos os lados. Procurou-se
uma desculpa para aquilo que não tinha justificação: a culpa é dos outros,
mesmo que a decisão seja minha.
Com o idealismo de experimentar para saber, sem sofrer.
Com a utopia de poder estar bem com Deus... e com o Diabo, literalmente. Não
existe uma terceira opção. Ou estamos com Deus ou estamos sem Deus. Podemos
conhecer os valores de Deus mas só somos Dele se não vivermos nos valores
hedonistas da nossa tendência para pecar, se rejeitarmos os iscos do mundo e de
Satanás – só quando Deus é mesmo Deus, o nosso Deus.
De volta ao transporte urbano, uma estranha incerteza
funde-se nos pensamentos de quem desvia o coração para o lado oposto de Deus,
em manobras suaves, mas fatais. Uma incerteza cheia de desconfiança, medo,
rejeição, assombramento... que aquela tristeza aguda que penetra a alma é inapagável.
Uma incerteza profunda, mordaz, cega, que disfarça um sorriso no olhar triste
de quem já conheceu a verdadeira fonte da alegria – Deus.
Se essa vida preciosa e única relembrasse a graça preciosa
e suficiente de Deus... Se reconhecesse que essa graça é a resposta à sua
desgraça... Se assumisse que a sua queda
atroz é reversível, ao cair nos braços do Salvador, indefesa, em humildade,
assumindo a sua falência espiritual...
Como na parábola dos dois filhos perdidos que um dia a
fez chorar, uma filha que precisa largar a pocilga que a prende, mesmo que pareça
não haver alternativa, enfrentar a vergonha de regressar de onde veio, de
assumir a sua necessidade urgente de resgate, de amor, de salvação (Lucas 15).
Como aquele filho que regressou a casa do pai, depois de esbanjar, de toda e
qualquer maneira, a herança que recebeu antecipadamente, aquela vida perdeu-se
na ilusão dos seus próprios caminhos... mas ainda é tempo de regressar.
Se esta é a tua história, se já estiveste perto de Deus e
da família de Deus, a Igreja, e por portas e travessas, por uma sucessão de más
decisões, de escolhas erradas, na ilusão de que se pode brincar com o pecado
sem consequências, o afastamento de Deus e dos Seus filhos foi acontecendo,
quase sem dar por isso. Se sentes um aperto no peito, uma saudade
incontrolável, um anseio por voltar a ter aquela alegria única – a da salvação.
Se estás cansado ou cansada dessa máscara que colocas em todos os momentos que
te cruzas com alguém que conheces, numa aparente felicidade, mas numa real
calamidade interior. Se queres regressar, voltar para Deus realmente, vem!
Se, por outro lado, está “em casa” e vives com Deus, não
sejas como aquele outro filho, que estava perdido, mas em casa do pai. Não
rejeites aqueles que vêm como estão, com vidas desorganizadas, feridas,
marcadas, mesmo que já tenham partilhado o mesmo banco de igreja que tu, mas
ora para Deus mudar, restaurar, salvar as suas vidas. Ora, e ama. Ama com um
sorriso, um abraço e uma festa, como a festa que se faz no Céu.
“‘Meu filho’,
respondeu-lhe, ‘tu estás sempre comigo e tudo o que eu tenho é teu, mas
era preciso fazermos uma festa e alegrarmo-nos, porque o teu irmão estava morto
e voltou a viver, estava perdido e reapareceu’.” (Lucas 15:30-31, BPT)
Ana Ramalho Rosa
in
revista Novas de Alegria, outubro 2014
Texto escrito
conforme o novo acordo ortográfico
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