Ortodoxia Humilde
A verdade em amor, por amor à Verdade
Num tempo de engano universal, dizer a verdade é um ato
revolucionário. Este é um dos pensamentos do ensaísta e autor britânico Eric
Arthur Blair (mais conhecido por George Orwell) que mais aprecio. Muito em voga
nos dias de hoje, o termo fake news
(notícias falsas) tem gerado na sociedade e nos meios de comunicação, a
necessidade de esclarecer os enganos que inflamam mentes e corações de quem os
lê.
O ato de
dizer a verdade, de esclarecer um erro ou de ensinar o que é correto não pode
estar sujeito a relativismos (acharmos que o que é verdade para nós, poderá não
o ser para o outro). A verdade é verdade, seja em que local do planeta for,
diga-a quem disser. Caso contrário, não seria a verdade, mas apenas mais um
pensamento com algum significado para um conjunto de pessoas. Mas, como é que
transmitimos a verdade ou o que é correto a quem pensa de modo diferente? E com
que atitude o devemos fazer? Estas são questões que apelam ao título da obra de
Charles Sheldon Em seus passos o que
faria Jesus?.
O que
podemos ler em Provérbios 8:6-8 é uma boa resposta para o modo como Jesus
agiria. Ali, Salomão descreve a verdade como se de uma pessoa se tratasse e dá
a conhecer o seu modo de falar e agir. A justiça no seu discurso (v.8), a boca
que fala a verdade (v.7) ou os lábios que se abem para a equidade (v.6) são
exemplos do modo como devemos falar. Mas porque “o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem.”
(Mateus 15:18), aquilo que falamos tem de ser um reflexo da nossa vida e do
nosso interior. Caso contrário, corremos o risco de sermos vistos como
incoerentes, falsos e de prestarmos um mau serviço a Cristo.
Talvez
seja por esses motivos que o filósofo inglês John Locke escreveu que “uma coisa é mostrar a um homem que ele
está errado e outra coisa é instruí-lo com a verdade”. Porque mostrar a
alguém que está errado é fácil. Basta um discurso lógico, carregado de factos e
de uma explicação das falhas nas ações ou no raciocínio dessa pessoa. Por outro
lado, instruir alguém com a verdade ou na verdade, já requer mais. Muito mais…
requer que defendamos a ortodoxia (do grego orthodoxos,
orthos – correto; que é certo; e doxos – pensamento) mas não ao custo de
matarmos o próximo. Por outro lado, deve levar-nos a dizer a verdade (e a
viver) em amor, conforme somos instruídos por Paulo (Efésios 4:15). E a verdade
deve ser dita com amor, em humildade, para buscar a restauração e nunca a
destruição da outra pessoa (Efésios 4:32, 1 Pedro 3:8).
Hoje é
extremamente fácil cairmos no erro da confusão entre “dizer a verdade” e “impor
a verdade”, quando falamos de Cristo e do Evangelho. E mais ainda, quando
tentamos colocar isso em prática no dia a dia, nas nossas escolhas e opções na
esfera familiar, profissional, académica ou social. A sociedade tem vivido nas
últimas duas décadas numa constante polarização, isto é, num afastar de
opiniões e consequentemente no seu extremar. E isso reflete a pouca influência
que a Igreja está a dar ao Evangelho e por sua vez, o aumento de peso que
argumentos sociais, filosóficos e de toda outra espécie passam a ter.
Se
olharmos para o exemplo de bíblico, o que vemos não é a imposição humana, mas o
Espírito Santo em ação que convence homem e mulher do pecado, da justiça e do
juízo (João 16:8). É uma ação divina, baseada no amor que Deus manifesta por
nós em Jesus Cristo (João 3:16, Romanos 3:23,24, 5:8). Certo é que Jesus agiu
com alguma dureza em dadas situações. Tal como João Batista, Paulo ou Judas.
Mas esses momentos de intenso conflito, aparecem quando são líderes religiosos,
pessoas versadas nas Escrituras, gente que procura ser um modelo para os
outros, a cometerem erros ou instruírem de modo incorreto. Pior ainda, a
introduzir o desvio de Deus e do Evangelho de modo propositado. É nesse âmbito
que devemos interpretar a parte final de Lucas 12:48. A quem muito é dado,
muito é requerido. E aqueles que ensinam, têm sobre si o peso e a
responsabilidade de o fazer de modo correto (ortodoxo), conforme nos ensina
Tiago (Tiago 3:1). Por isso, não podemos esquecer que aqueles que vivem regenerados
pelo Espírito Santo, devem manifestar o Seu fruto (Gálatas 5:22), sendo que a
benignidade, a mansidão e a bondade são sabores desse fruto.
Agir de
modo arrogante, sem amor ao próximo e sem desejo de corrigir para abençoar
alguém que está errado não leva a que essa pessoa veja a verdade. Pelo
contrário, vai ver uma má imagem de Cristo e ficar com a ideia medieval do
cristão inquisidor, pronto a fazer-lhe um auto-de-fé por qualquer desacerto ou
desacordo de opiniões. É Paulo que diz que o Reino de Deus não consiste em
discursos, palavras ou argumentos, mas sim em virtude, comportamento ou atitude
(1 Coríntios 4:20). E de seguida, remata para golo concluindo com a questão: “E que é que preferem? Que eu vá com
intuito de repreensão, ou com amor e bondade?” (1 Coríntios 4:21, OL).
Em tudo,
devemos procurar seguir o exemplo de Jesus. E lembrarmo-nos de que devemos agir
de modo misericordioso, porque o nosso Pai é cheio de misericórdia por nós
(Lucas 6:36). Por isso, nada como seguir o conselho de Clemente Romano “Sejamos bons uns para com os outros,
conforme a compaixão e a doçura daquele que nos fez.” e procurarmos
manifestar a ortodoxia do Evangelho, através de uma vida que mostre que Deus
habita em nós e transpiremos o Seu Espírito por todos os nossos poros.
Ricardo Mendes Rosa
in Novas de Alegria, janeiro 2019
Comentários