Façam backup, isto vai dar format…

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Pretensão é uma palavra complicada. Quer dizer desejo ou intenção. Basicamente, não tenho pretensão de ser duro, meter o dedo na ferida ou de ser impopular com o que vou partilhar. 

Mas (infelizmente ou felizmente, não sei qual das duas, decidam vocês) corro esse sério risco. Porquê? Porque o que vou partilhar a seguir, é algo que vos orienta para o título deste texto. Façam backup do que vos vou dizer, porque depois (podem) precisar de formatar as ideias e começar (perto) do zero. 

Fala-se muito em defesa da fé numa época em que a fé é atacada. Mas para defendermos a fé, primeiro precisamos de saber o que defendemos e de que defendemos. As estatísticas nacionais mostram (obrigado One Hope pelo estudo) que o relacionamento entre a malta jovem e adolescente com a fé cristã é má. Pouca leitura da Bíblia, menos oração ainda, baixo envolvimento com a igreja local e admirem-se com isto: quase nenhumas conversas sobre a sua fé. 

Não se quer defender a fé. O que se quer defender hoje em dia, é uma linha de vida conservadora/tradicional/”de bem” e à qual algumas pessoas se acostumaram. Porquê? Porque é uma linha reativa que responde a “agressões” externas que vêm das chamadas causas fraturantes (aqueles assuntos polémicos que normalmente são discutidos em política) como o casamento homossexual, o aborto, a eutanásia, a descriminalização ou despenalização do consumo de certos tipos de drogas, etc…

Curiosamente, essa linha de vida que diz que é conservadora/tradicional/”de bem”, até tem raízes no Evangelho, sobretudo quando lemos as Epístolas de Judas, Pedro, Tiago, Paulo e João. 

Mas as mesmas bases bíblicas em que esta linha de vida assenta, são bases bíblicas que reclamam a comunhão com igreja local (Atos 2:42, Hebreus 10:25), a oração (Atos 2:42, Colossenses 4:2, Tiago 5:16, 1ª Pedro 4:7), a leitura e estudo das Sagradas Escrituras (Atos 17:11, Romanos 15:4, 2ª Timóteo 2:15, 2ª Pedro 3:14-17), animarmo-nos uns aos outros (Romanos 15:30-32, 1ª Coríntios 16:17-19) e não deixarmos de auxiliar quem partilha ou não da mesma fé (Deuteronómio 10:19, Gálatas 6:10). 

Mas então qual é o problema? O problema é que quer-se defender a fé, mas o que afinal se está a procurar defender é um estilo de vida, que apesar de ter bases na fé cristã, até acaba por se separar dela, quando se entrega à dependência das tecnologias, ao excesso de entretenimento, ao desligar dos padrões bíblicos que não nos convêm (porque afinal de contas, se hoje é tudo à escolha do consumidor, porque é que não podemos ter um Cristianismo assim, certo?) e todo um conjunto de coisas que não fazem sentido…

Dois pensadores do séc. XIX, Karl Marx e Friedrich Nietzsche lembraram-se (cada um) de um comentário que na altura davam direito a um tweet ou post viral. Marx disse que “A religião é o ópio [N. R., a droga] do povo” e Nietzsche lembrou-se de ir mais longe e escreveu que “Deus está morto”. Isto deu uma grande discussão e ainda hoje dá, porque estão na origem de muito do pensamento que se afasta de Deus e fundamenta o ateísmo, o ceticismo e o humanismo. 

Mas sabes, o grande problema é que eles até nem estavam assim tão errados quanto isso. Claramente, para muita gente, Deus está de facto morto ou então essas pessoas vivem como cristãos-ateus (perdoem a ideia absurda, mas é o mais simples que consigo encontrar para explicar o modo de vida), porque vivem uma fé tão descomprometida, onde não vivem de acordo com o que dizem ser, nem sequer se preocupam em esclarecer quem lhes pergunte que fé é essa que têm e em quem (vão em contramão com o que Pedro escreve em 1ª Pedro 3:15). É de loucos! No mundo de hoje são os chamados fakes! Não anunciam as boas notícias (o Evangelho), pelo contrário, a vida deles é tão diluída naquilo que são os padrões sociais contrários à vontade de Deus que são mais fake news que outra coisa. São aquele pessoal a quem Judas chama “árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas” (Judas 1:12), porque estavam mortos em ofensas e pecados (Efésios 2:1), passaram à vida porque receberam o amor de Jesus e O passaram a seguir (João 3:16), mas por algum motivo, afastaram-se e morreram novamente espiritualmente. Em linguagem de gammer, são bots porque não têm propósito a não ser viver um ciclo repetitivo que só tem fim quando forem desativados da rede social que é a vida.

Quanto a Marx… digamos que a maioria do pessoal não gosta nem de Marx, nem do termo religião. Mas confundem religião conforme Tiago a define, com o peso do tradicionalismo que se vive em Portugal, onde se identifica uma grande devoção a santos, lugares, imagens e outras coisas. Isso não é bom. Não está certo.

 Sabes, eu não sou nada fã de Marx. Não concordo com as guerras de classes, nem com o que daí saiu (basicamente, banhos de sangue por todo o mundo, perseguições, regimes ditatoriais, etc.). O mal é que ele não compreendia o Cristianismo. Ele olhava para um meme do Cristianismo na rede social da época (jornais, panfletos, meio académico e vida diária) e foi a partir daí que formou aquela ideia. Mas nesta questão da droga do povo, por mais que doa, Marx está correto. Já viste a quantidade de gente distraída e iludida, fixada em algo que não produz vida e pelo contrário, até afasta pessoas de um relacionamento vivo com Deus? O grande problema é quando essa palavra (religião) aparece em Tiago, está num contexto positivo, que é o de visitar órfãos e viúvas nas suas aflições e não permitir que o sistema social em que vivemos, que é injusto e afastado do Evangelho, nos domine e corrompa (Tiago 1:27). Resumindo: ali religião é igual a amar o próximo e viver de modo santo. Não em dobrar o joelho, fazer promessas fazias a figuras impotentes e procurar dar ar de ser superior aos outros ao domingo, mas levar a semana a ser igual ou pior.

Não dá para ser seletivo e rasgar partes da Bíblia ou riscar palavras. Há quem tenha tentado e com mau resultado. Thomas Jefferson, o 3º presidente dos Estados Unidos da América lembrou-se dessa ideia. Decidiu “criar” uma Bíblia onde os milagres de Jesus, os anjos, a ressurreição, vida eterna, Céu, Inferno, o diabo e outras coisas foram todas cortadas. Criou basicamente um livro de orientação agnóstica e no qual Jesus era apenas um grande professor de ética, não o Salvador ou Filho de Deus. 

Para piorar, o que se tira dali não é quem Jesus realmente era. O se tira dali é que qualquer pessoa pode criar Jesus e Deus à sua imagem. E não o que Génesis 1:26 diz, que Deus fez o ser humano à Sua imagem e à Sua (de Deus) semelhança: um ser espiritual, com o propósito de viver eternamente, que se relaciona com o seu próximo e que procura a santidade. 

Voltando a Tiago… a palavra, o texto e o contexto estão lá. Assim como Deus não está morto, a religião viva e aprovada por Deus não é a droga do povo. Deus está vivo e bem vivo (se há coisa que sempre esteve é vivo e ninguém O vai conseguir mudar), e a religião conforme lemos em Tiago é aquela que muitos de nós vivemos e praticamos, porque é a demonstração do amor de Deus na prática. Isso sim é apologética! Isso sim é defesa da fé. Não apenas com palavras, mas sobretudo com ações. 

Defesa da fé não são apenas os livros e debates de William Lane Craig, Michael Licona, Alvin Platinga, Lee Strobel, Jordan Petterson (que não sendo bem crente até nos ajuda com muitas das suas posições), Francis Collins, Sean McDowell, Colin Brown, Rice Broocks, Frank Tipler, Mark Galli, D.A. Carson, J.P. Moreland, Charles Colson, C.S. Lewis, G.K. Chesterton, Alister McGrath, Frank Turek ou Norman Geisler.

Por isso, chegando ao fim deste artigo, correndo o risco de parecer pretensioso (outra palavra cara e que vem de pretensão), o melhor mesmo é olharmos para o que achamos que é defender a fé e vermos se o melhor não é fazer backup do que é bom e format ao resto, para reconstruir com solidez. Defesa da fé é mais do que lógica, debates, argumentos e termos complicados. A defesa da fé é feita todos os dias quando não nos esquecemos dos necessitados (Salmo 9:18), auxiliamos órfãos, viúvas e refugiados (Deuteronómio 10:18,19). É feita quando somos sal e luz em casa, na escola, no trabalho. É feita quando somos imitadores de Cristo e vivemos como a igreja de Atos 2:42-47. O tempo todo, todo o tempo. Independentemente das circunstâncias.

Ricardo Mendes Rosa

in Novas de Alegria, janeiro 2022

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