A caça ao tesouro

Foto de N. na Unsplash


Estou a ver a luz do sol pela primeira vez ao fim de alguns anos. As pancadas da vida empurraram-me para o fundo, cobriram-me de tristeza e eu deixei-me ficar aqui, rodeado de mágoas.

Estive escancarado lá fora, à disposição de todos. Sentia-me útil e amado por isso... mas com o tempo enferrujei, fui-me fechando por sentir que não era isso que me dava valor, o verdadeiro valor.

Passei de moda. Deixei de servir. Já não precisavam de mim. Tiveram outros encantos, outros sonhos, outros tesouros que não o meu.

Perdi o brilho. O caruncho da solidão apodreceu o ânimo que ainda me restava. O desprezo que me tornou numa memória enterrada no meio do nada acompanhou-me todos estes anos. 

O buraco da depressão recebeu-me. E aqui me fiquei. Não tinha força para sair daqui sozinho. O peso do vazio que transportava amarrava-me às profundezas da terra. Duvidava se poderia alguma vez soltar-me e recuperar o fôlego. Respirar de alívio. Viver.

Quando comecei a escutar o ritmo de quem escava à procura de um alento para a vida e a voz que cantarolava uma melodia que desconhecia, fiquei em suspenso.

Alguém deve ter lido nas marcas da superfície algum sinal. Ou deve ter remexido nas memórias de velhos pescadores que na costa reconstruíam as lendas de tesouros e outros mistérios. Seria um curioso? Um grupo de arqueólogos que me dissecariam? Um aventureiro? Um sonhador? Quem estaria interessado numa arca a cair de podre, com velharias e sem histórias para contar?

A canção parou. A pá tocou-me. Duas mãos puxaram-me para fora. Depois de um murmúrio, desmantelaram o cadeado. Abriram-me e suspiraram: “Que lindo! Vês como brilha? Uau!”.

O maior tesouro que Deus nos dá é a nossa própria vida. As nossas decisões erradas, os problemas que deixam rasto no nosso coração, a falta de força para mudar de rumo e, muitas outras coisas, podem fazer com que a arca do tesouro se feche e fiquemos esquecidos.

Mesmo que a tua vida seja uma história da qual não tenhas coragem de a contar a  alguém, Deus quer conquistar-te. Ele deseja tratar do teu coração e da tua alma. Quer que reconheças que mesmo sem mérito, vales a pena!

Nas mãos do nosso Pai amoroso, somos moldados, limpos, valorizados. Quando nos vemos como o Pai nos vê, começamos a investir naquilo que o Pai também investe: em nós. Não numa perspectiva individualista ou egocêntrica, mas como resposta amorosa Àquele que nos criou e nos desenterrou dos nossos desalentos e pecados, para nos colocar num lugar que nunca mereceremos, a Sua família.

“Vocês sabem que Deus pagou um preço para vos livrar daquela forma inútil de vida que receberam, por tradição, dos vossos pais; e esse resgate pagou-o, não com ouro ou prata mas, com o precioso sangue de Cristo, o cordeiro de Deus, sem pecado e sem mancha” (1 Pedro 1:18-19, versão “O Livro”)


Ana Ramalho


In revista Novas de Alegria, junho 2010

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