Os opostos complementam-se?

Como professor de EBD e colaborador na área dos ministérios juvenis, tem sido quase comum a cada ano escutar a dúvida: afinal Paulo e Tiago contradizem-se? 

Num olhar rápido, para uma mente despreparada e menos treinada no estudo das Sagradas Escrituras, a questão soteriológica e a aparente dicotomia fé vs obras de Paulo e Tiago, serão contrastantes.

Na epístola aos Romanos, Paulo declara que nenhuma carne será justificada pelas obras (3:20), diferenciando as obras da lei das da fé, dizendo que é inútil nos gabarmos dessas obras “legais” (3:27), concluindo que somos justificados pela fé, independentemente das obras da lei (3:28). Provavelmente as declarações paulinas mais enfáticas estão em Gálatas 2:16, 3:2-5; Efésios 2:1-9, 2 e Timóteo 1:8-10. A razão é a clara explicação de que a salvação é baseada na fé em Deus, uma salvação que é gratuita (vem da graça divina, é um favor imerecido).

Por outro lado, Tiago afirma algo (Tiago 2:14-17) que parece contrastar a soteriologia paulina, quando diz que a fé sem obras é nula ou sem vida. Ele passa a dar os exemplos de Abraão (2:21-24) e Raabe (2:25). Assim, quando apresenta esses dois exemplos, Tiago aparentemente declara que a manifestação de obras é necessária para que a fé seja válida, que a fé não pode ser apenas declarada e não materializada.

A base argumentativa de Tiago é extremamente pertinente, pois quando se argumenta que basta acreditar em Deus para se ter fé e ser salvo, levanta-se a perspetiva de que até os demónios acreditam que Deus existe e isso não os salva, pelo contrário, estremecem. Diante disso, que tal um possível contraste ou dicotomia de posições? Estarão Tiago e Paulo em polos opostos que se complementem?

Primeiro, precisamos entender que Tiago fala sobre a manifestação da fé. Tiago não diz que as obras salvam, mas que são a demonstração prática da fé salvadora. Ou seja, os salvos viverão sua salvação com fé em Cristo, com amor e misericórdia para com o próximo (Marcos 9:41), para glorificar a Deus (Mateus 5:16, 1 Coríntios 10:31) e essa experiência dará origem a obras que são boas e que Deus criou para que, como seus filhos e discípulos de Jesus, as pratiquemos (Efésios 2:10).

Em segundo lugar, é o próprio Paulo quem define em Efésios que as obras são consequência da fé, conforme lemos acima. Na sua carta para Tito, aponta que ele é um exemplo de boas obras (Tito 2:7). Além disso, aqueles que realmente creem têm uma fé viva e se aplicam a boas obras (Tito 3:14) de forma eficaz. 

O que é que podemos então concluir, após olharmos para os argumentos de Paulo e Tiago? Podemos entender que Tiago e Paulo são complementares entre si e não necessariamente opostos. Tiago procura corrigir e ensinar aqueles que não manifestam verdadeiramente a fé em Cristo de modo que o façam (logo demonstrando obras como prova dessa salvação). Por outro lado, Paulo procura transmitir que essas obras não salvam, mas são uma consequência natural da verdadeira fé e que tanto judeus quanto gentios são salvos pela graça de Deus mediante a fé em Cristo Jesus. 

Por fim, podemos assim dizer que as boas obras são úteis e boas (Tito 3:8), tanto para fazer o bem aos irmãos em Cristo (Gálatas 6:10), quanto para testemunhar na prática da fé que temos (Tiago 2:18).


Ricardo Rosa


Ilustração original aqui

Texto originalmente publicado na revista Novas de Alegria, maio de 2023


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