Fé pública, devoção privada

Sabemos, e depois da Pandemia ainda de uma forma mais vincada, que as redes sociais são mais do que o glamour das vidas perfeitas. Ansiedade, depressão, isolamento, obsessão pelo corpo, pressão… este é o lado menos bonito das redes sociais.


Mas há um aspeto que me chamou à atenção. “Da mesma forma que as redes podem colocar uma pressão enorme sobre os seus ombros para se profissionalizar, ganhar dinheiro, realizar sonhos e, basicamente, se tornar a melhor pessoa do mundo, pode coagi-lo a buscar a perfeição. Essa busca sempre acarreta muito sofrimento para quem decide fazê-la, pois é impossível alcançar o objetivo final.”1

O suporto perfecionismo, espetacularizado e difundido como norma, tem feito mais mal do que bem. E temo que, mesmo a nível espiritual isso também aconteça. A tentação da comparação é grande. Hoje somos mais devotos à perceção e à aprovação nas redes sociais - mesmo no que toca à nossa espiritualidade. Quando o fazemos, na prática, estamos a passar a mensagem de que queremos ser aceites pelo público mais do que pelo Deus que dizemos seguir.

É interessante que, no Sermão do Monte, Jesus apela para uma devoção privada e não espetacularizada. Aliás, Ele combate a ostentação e defende o recato. “Cuidado, não pratiquem as boas obras com ostentação, só para serem admirados, porque se o fizerem, perderão a recompensa que o vosso Pai que está nos céus vos dá. (…) Quando orarem, não devem ser como os fingidos que se mostram piedosos, orando publicamente nas esquinas das ruas e nas sinagogas, onde toda a gente os pode observar. É realmente como vos digo: já receberam a sua recompensa.” (Mateus 6:1, 5, OL)

Afinal, o que é ser cristão? Ser cristão é seguir Jesus e não apenas 'sentir' Jesus ou ser amado por Jesus. Ter uma devoção profunda por Ele que se observa pelas ações do meu dia-a-dia... E não apenas nos momentos socialmente oportunos (igreja, com os crentes, etc.).

Se a nossa fé pública não é coerente com a nossa devoção privada isso tem um nome que gostamos de usar para catalogar os outros: hipo.... Sim. Hipocrisia. Não podemos ter o rótulo, mas de facto não ser. Uma vida dupla pode enganar muita gente algum tempo, algumas pessoas o tempo todo, mas não consegue enganar toda a gente o tempo todo.... E nunca engana Deus. O inimigo esfrega as mãos de contente porque quanto mais pensamos que podemos brincar aos crentes, namoriscando o estilo de vida que nos afasta de Deus, mais fracos ficamos e somos presas mais fáceis de dominar.

Jesus deseja arrancar todos os desejos que nos dominam e que escondemos (dos outros): mentira, orgulho, narcisismo, egoísmo, manipulação, vícios de todas as formas e feitios... Ele quer e Ele pode. Quando de facto temos a nossa vida enraizada em Cristo, não fugimos domados pelos nossos desejos. Estamos com Ele e o resto não importa. E quando falamos e nos vemos ao espelho, através da Sua Palavra, só poderemos arrepiar caminho, pedir perdão e voltar ao lugar de intimidade com o Pai, de onde nunca precisávamos ter saído.

Precisamos ter uma vida devocional privada que sustente a nossa fé pública, sem medo de falar a verdade em amor, sem espetáculo. Podemos usar os meios atuais sem sermos seduzidos pela tentação da comparação nem da competição. E isso só se consegue num lugar…

“Quando orares, fecha-te em casa e ora secretamente ao teu Pai, e ele que conhece os teus segredos te dará o galardão.” (Mateus 6:6, OL)

 

Ana R. Rosa

 

1 PIMENTA, Tatiana, “Quais são os impactos das redes sociais em nossa saúde mental?”, Vittude, publicado a 16 de outubro de 2020, www.vittude.com, consultado a 6 de fevereiro de 2023

Foto de chris liu na Unsplash

Texto originalmente publicado na revista  Novas de Alegria, junho de 2023

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