REFORMA PROTESTANTE - Explicação rápida para iniciados

Ilustração © Marcos Rodrigues
Celebramos este ano os 500 anos da Reforma Protestante. Mas genericamente, o que é que podemos dizer que foi a Reforma? Foi um ato político? Terá sido uma divisão na Igreja? Que impacto teve na sociedade da altura?

Para entendermos o que foi a Reforma, precisamos de compreender em primeiro lugar que a sociedade da época vivia num fim da Renascença, uma época marcada pelo foco no ser humano em grande parte das áreas (Arte, Ciência, Música, etc.). Vivia-se uma era de mistura entre política e religião. Papas como Sixto IV e Alexandre VI cultivaram o negócio da venda da fé, através das indulgências para que os mortos pudessem escapar ao Purgatório ou a compra e venda de cargos eclesiásticos. O grande porta estandarte da venda de indulgências era Johann Tetzel, que cunhou a expressão “Assim que a moeda soe dentro do cofre, a alma salta do Purgatório”. Mas os problemas dentro da Igreja não se mostravam apenas nesta prática. Anteriormente, já mártires como o checo Jan Hus, o inglês John Wycliffe ou o italiano Girolamo Savonarola haviam colocado Roma em sentido com as suas pregações e mostras de necessidade de corrigir o comércio eclesiástico, a vida desordenada do clero ou de combater os abusos contra a dignidade humana.

O povo era maioritariamente analfabeto, sem grande conhecimento do Latim e sem facilidade de acesso às Escrituras (pese a existência de algumas traduções para “linguagem corrente” anteriores à de Lutero, como a de Johannes Mentelin em 1466 ou a de Jean de Rély em 1487). O acesso a livros não era para qualquer bolso e com a revolução da imprensa trazida por Johannes Gutenberg em 1439, a circulação de panfletos inundou a Europa. Estima-se que cada panfleto custasse 30% do valor ganho por dia de trabalho, o que ajudou a impulsionar a mensagem de Lutero, Zwinglio, Calvino, Melanchton, Bucer ou Knox. 

Visto já o contexto económico-social, podemos agora olhar para o contexto teológico. A Reforma nasce de uma necessidade de purga de ensinos e práticas divergentes do Evangelho. A venda de indulgências, o comércio e adoração de relíquias, a contínua mistura entre governação estatal e governação eclesiástica, foram assuntos que levaram Lutero a propor uma “reforma” da Igreja Católica. A primeira coisa que precisamos de admitir, porque é um facto histórico comprovado (por muito que nos custe aceitar), é que Lutero nunca teve na sua intenção original criar uma divisão na Igreja, muito menos fundar o que hoje chamamos de Protestantismo. A intenção de Lutero foi corrigir abusos e desvios, trazer ensino correcto ao povo. Povo esse, que Lutero percebeu que vivia envolto numa vivência do Cristianismo baseada no “diz que disse” e que repetia continuamente o Latim da missa sem ter noção da implicação do que a sua boca dizia. Talvez por isso, as suas 95 Teses, Liberdade de um Cristão ou A Nobreza Alemã tenham causado um amargo de boca ao clero de Roma. Tal é comprovado com a excomunhão de Lutero através das bulas Exsurge Domini (que exigia a retratação de Lutero) e Decet Romanum Pontificem (que o declarou como excomungado). Só com o Édito de Worms em 1521 vemos Lutero formalmente e definitivamente afastado da Igreja Católica Romana, sendo acusado de heresia. Com Lutero, o retorno às Escrituras foi fundamental. É delas que Lutero admite repreensão no que toca ao que havia escrito, porque elas eram a “voz escrita de Deus”. 

Com este marco histórico, a Reforma Protestante viu nascer as 5 Solas que ainda hoje a devem caracterizar: Sola fide, Sola Scriptura, Soli Deo Gloria, Sola Gratia e Solus Christus. Com isto, a Reforma (pela figura de vários Reformadores, das suas vidas e obras) procurou um retorno ao Cristianismo da era Apostólica, afastando-se das ideias humanistas da Renascença e procurando trazer Deus para o centro da vida da Igreja. É nesta tónica que ainda hoje devemos viver, como herdeiros do Protestantismo e sobretudo como discípulos de Jesus Cristo. Numa atitude de dependência de Deus, mas sabendo adaptar metodologias e os meios de ação de acordo com a época em que se encontra, sempre sob a direção da Palavra de Deus (quer escrita – as Sagradas Escrituras – quer pessoal – isto é, Jesus Cristo). É isso que Karl Barth, uma das maiores figuras e um dos maiores herdeiros do pensamento teológico europeu procurou transmitir com a expressão: “ecclesia reformata, semper reformanda secundum verbum Dei” (igreja reformada, sempre em reforma segundo a Palavra de Deus). 

O impacto da Reforma notou-se através dos tempos, sendo o próprio movimento das Assembleias de Deus um dos seus frutos. E é no espírito de constante dependência de Deus, de colocação de Jesus Cristo como principal foco da nossa vida e de adaptação dos meios de alcance e de pregação do Evangelho ao tempo em que vivemos, que devemos celebrar, honrar e manter viva a Reforma. Procurando viver a prática das 5 Solas de acordo com a direção do Espírito Santo, para que toda a glória seja dada a Deus, de todos os modos e por todos os meios. Apropriamo-nos por isso da máxima de Inácio de Loyola, o fundador dos Jesuítas e elemento da Contra-Reforma, “para maior Glória de Deus e salvação da humanidade”, assumindo nós que a Reforma nos deve levar a viver realmente dessa maneira.

Ricardo Rosa

in revista Novas de Alegria, outubro 2017. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

Comentários