Oração na cratera do suplício



O acaso não faz disso. Nem o suspirar do incrédulo provoca tamanho sombreado a dar para o desgosto. O inóspito profundo veio ao de cima e rompeu as teias da esperança. O desaire da vida foi-se até aqui. E agora vejo-me embrulhado nesta cratera cravada bem dentro do que suspiro ser.

Se ontem construíamos o sonho sem quaisquer ameaças presentes, agora sufoco-me na solitude inconstante da ausência constante. Queria aniquilar aquilo que me atira à bruta contra o chão de incertezas e desespero, mas não me consigo levantar de onde estou, esta cratera que jorra o vazio da outra face, vulcão do meu passado ressequido e moribundo, ferida que se esconde no meu silêncio, afagado pelo terror noturno que me destrói o sono e me reduz a esta condição de passageiro dos dias incertos.


Tenho a ousadia de perguntar aos Céus o ruminar aterrador desta avalanche de percas que não era suposto ter, das injúrias inflamadas, dos cantos vazios do que fomos e do que poderíamos vir a ser.

Procuro uma resposta que me acalme, nem que seja por segundos, pelo abrir e fechar de olhos do agora que lido ao momento, mas sou um saltimbanco amador no terreno deste coração em recuperação severa, paciente e morosa.

Procuro um sinal que me dê o trânsito do que hei-de ser, do que farei e onde estarei, num clamor ansioso em Dó maior. Uma espécie de mapa reconfortante que traga de volta o que perdi, mesmo que isso seja o passado que nunca regressará.

Procuro que a cratera se feche em copas, se extinga, dissipe de mim e do tempo que aí vem. A fadiga de a ver espremer todas as minhas forças e leva o mais pequeno suspiro a ser mais um esforço nesta luta pela vida que tenho por baixo desta muralha dura que cobre o invólucro do meu coração.

Quero perder o passado, mas recuperar o que perdi. Não me entendo. Não Te entendo. As interrogações são as mesmas, embora hoje esteja mais perto de vislumbrar a luz entre as trevas que me circundaram. Não sei se, porque, para quê. Sei como... como estou perdido no vale desta cratera invulgarmente minha, mas tão estranha quanto o tempo que me escorre lenta e penosamente pelos dias.

E neste cerco em que os fantasmas da realidade vivida monstruosamente me amparam para me rebaixar e destruir completamente. Nestas horas em que estou caído, sem forças para ressuscitar a esperança de que Tu sabes o que estás a fazer. Nestas lutas comigo e Contigo, em que ponho o dedo nas minhas feridas ainda em fase de recuperação. É onde estou e como estou que grito para o silêncio e num segundo entre o soluçar que me enterra esta prece, suplico o favor imerecido, choro no desespero que me atinge ainda: ajuda-me!

“Clama a mim, e responder-te-ei e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes.” (Jeremias 33:3)

Ana Ramalho Rosa

in Novas de Alegria outubro 2019

Comentários