“Deus, ajuda-me!”


Nos recônditos do coração largava-se à pena do anónimo e desconhecido mergulhando numa dor inóspita. 

O desgaste rasteiro aplanou o seu ânimo para níveis abaixo da linha de água, regada pelas lágrimas que não expunha, mas sentia, noite dentro e dia a fora.

Sem motivos aparentes, debaixo da capa do sorriso ligeiro que sempre acompanhava o seu dia a dia, rangia uma barca de emoções numa tempestade em paleta de cinzas, de azul noite, sem estrelas visíveis que lhe pudessem alegrar a alma, pouco que fosse.

Porque chegara àquele estado? Qual o gatilho que fizera despoletar a tristeza extrema e recorrente que sentia? O cansaço excessivo, o stress, a partida antecipada do irmão mais novo? Isso tudo? Mais alguma coisa? Sempre fora alguém que se envolvera em prol de Deus e do próximo, mas algo acontecera. Entrámos na pesquisa, em busca de uma resposta, que não existindo de modo simples levaria que, a público, se atirassem os paus e pedras da ignorância incompassiva ou a peninha vazia, por dó – pensava ele que assim seria. Então, deu-se à dor e ao pranto emocional e aterrou no canto do seu quarto.

Escondido e como que ausente do mundo, depois de tantas orações ao longo dos dias balbuciou umas palavras em busca de sentir algo novo: “Deus, ajuda-me!” Não sentindo nada no momento, reclinou-se num choro copioso. Com a visão da vida toldada pela febre depressiva que o alucinava, não conseguia dizer nem fazer mais nada. O que fizera para estar assim? – questionava-se. Os filhos não o reconheciam e a mulher não sabia o que fazer senão orar. Uma noite, acordado pela dor que o seguia, tentava ler e tirar proveito de algumas palavras que o poderiam ajudar. Algumas nas páginas da Bíblia, deixada aberta por cima da mesa da sala de jantar, quando a mulher foi acudir a filha mais nova que queria “um miminho”, podia ler…

“Até quando te esquecerás de mim, Senhor? Será para sempre?
Até quando esconderás de mim o teu rosto? Até quando estarei metido comigo mesmo, acumulando tristeza no meu coração?
Até quando é que o meu inimigo continuará a ter vantagens sobre mim?
Repara na minha situação e responde-me, Senhor, meu Deus; dá-me a tua luz, para que não morra nas trevas.
E para que o meu adversário não diga: ‘Já o tenho na mão!’
E para que os que me querem mal não possam alegrar-se por eu ter caído.
Eu confio na tua misericórdia; o meu coração se alegra na tua salvação.
Hei de cantar ao Senhor, porque tem sido muito o bem que me tem feito.”
(Salmo 13, OL)

Leu e releu. E voltou a orar: “Deus, ajuda-me!”. Adormeceu ali mesmo… Na manhã seguinte, ainda embebido na sua tristeza, assumiu: “Querida, eu preciso de ajuda!” E ela replicou: “Não estás sozinho! Deus está contigo. Eu estou contigo…, mas sinto-me limitada para te ajudar.” E assim, foram procurar alguém que os ajudasse a enfrentar aquele mar de riscos chamado depressão. Primeiro pessoas maduras que, amigas do mesmo Deus, foram suas companheiras de corrida, depois com ajuda de especialistas de saúde – e sempre com a ajuda do seu Deus – sem preconceitos.

Que como Corpo de Cristo sejamos sábios, compreensivos e ajudadores daqueles que se nos apresentam tristes, amargurados, deprimidos. Sim, chorar com os que choram passa por aqui – não apontando o dedo, mas apontando para Cristo e para os meios que Deus tem à nossa disposição para a nossa saúde mental – sejam naturais sejam sobrenaturais.

 

Ana Ramalho Rosa


in Novas de Alegria, setembro 2020

Comentários