Missão online - Desafios e oportunidades


A missão de Atos 1:8 é hoje um dos maiores desafios que podemos encarar enquanto Igreja. Afinal, se o Senhor nos ordena que progressivamente sejamos Suas testemunhas, começando no local onde estamos, passando para as periferias e posteriormente para todo o mundo, como cumprir este desafio na era do on demand e da vivência digital online?

Podemos dizer que é um desafio extremamente fácil e também extremamente difícil. Começando pelo lado negativo, sabemos que hoje existe um número de ofertas a nível digital como nunca. E hoje, encarando uma sociedade onde a pobreza, corrupção, doenças, guerras e toda a espécie de evento maligno se desdobra em acontecimento, há uma grande tentação em ligar a passagem de Mateus 24:12-14 aos meios digitais. No entanto, não podemos ignorar que na verdade, a ligação devida deve ser feita com outro texto do Evangelho segundo S. Mateus, mais precisamente, Mateus 9:35-37. A seara é grande, os ceifeiros são poucos, precisamos que Deus chame, confirme e comissione mais gente para que os meios digitais sejam cada vez mais um foco de alcance e um campo missional.

Mas quais são os grandes desafios? Bem, tradicionalmente não faz parte da nossa perspetiva eclesiástica a missão em meios digitais. Estamos ainda intimamente ligados à conceção de que missão é (quase) exclusivamente relacionada com a presença física de um(a) missionário(a) num dado local, tendencialmente remoto, com ou sem suporte de outras igrejas locais em termos financeiros, sociais e espirituais. Os meios digitais são em primeiro lugar um desafio a essa nossa conceção. Porquê? Porque com a capacidade de nos colocarmos online (ao vivo ou não), aumenta a exposição a que estamos sujeitos no que toca a quem nos possa ouvir e ver. Tradicionalmente, a presença física requer um maior esforço para reunir um maior conjunto de pessoas. Usando redes sociais como o Youtube, Facebook ou Instagram, a nossa audiência aumenta consideravelmente, sobretudo se emitirmos conteúdos de forma cruzada (ou seja, nas três plataformas).

Ainda como catalisador deste método, surge também a maior disponibilidade no que toca aos locais que abrangemos missionalmente. Tradicionalmente, quando falamos em missão, há um conceito estabelecido na nossa mente: serviço para alcançar e acompanhar novos convertidos de uma dada localidade (ou de mais que uma localidade). Os meios digitais, que englobam não apenas as redes sociais, mas também a rádio online ou os sites de partilha do Evangelho, tornam-se mais dinâmicos e menos restritos em termos geográficos. E, por conseguinte, tendem a levar-nos a olhar para a missão e para o evangelismo, não apenas por zonas geográficas, mas também por estratos sociais, faixas etárias, sexo, etc. Há todo um mundo de novas possibilidades em termos de comunicação e alcance. No entanto, há que os explorar correta e devidamente, procurando compreender quais as ferramentas e metodologias a aplicar.

Claro que nada disto funcionará como deve, ou seja, de modo a anunciar o Evangelho e receber aqueles que creem, se não estiver integrado ou associado ao trabalho de uma igreja local. E porque hoje se vive com uma demasiada dependência digital, é importantíssimo que exista essa estratégia. Não apenas nos permite aumentar a audiência da mensagem que queremos difundir, também é um modo de dar a conhecer a nossa identidade enquanto corpo de Cristo e de transmitir o nosso bom testemunho. Precisamos, no entanto, de ter noção de algo: a mediatização de boas ações ou de bons comportamentos, tende geralmente a ser desprezada se for excessiva. Logo, usando as redes sociais como campo missional, o importante acaba por ser sempre o binómio: divulgar o Evangelho com recurso aos suportes audiovisuais e facilitar o encontro e alimento espiritual para pessoas com essa fome.

Há algo extremamente importante a reter: coerência! O modo como vivemos a igreja local, isto é, a nossa liturgia, o nosso modo de comunicar verbalmente (e também graficamente), o modo como gerimos o plano de comunicação da igreja local, tudo isso tem mandatoriamente estar interligado com o que vamos fazer online. Caso contrário, uma excelente produção de conteúdos nos meios digitais, vão criar uma expectativa que muitas vezes não é concretizada aquando do encontro com a igreja local. E isso é um problema que todos queremos evitar, por que causa desilusão, sentimento de falta de transparência ou de distanciamento em relação à realidade. Se queremos alcançar pessoas e trazê-las à igreja local, não é boa ideia passarmos uma imagem de algo que não vão encontrar. É preferível que exista uma coerência gráfica e de comunicação, mesmo que seja simples, do que não existir qualquer coerência. Aqui, aplica-se a máxima dos meios de comunicação: less is more ou em Português, menos é mais.

É preferível termos menos efeitos e enfeites na nossa comunicação, procurando demonstrar a nossa realidade local como é e de modo natural, do que criar uma realidade paralela virtual.

Outra máxima que se aplica é a do content is king, traduzido à letra e parafraseado, o conteúdo reina. Nem tudo é para ser passado online. Aliás, é preciso que nos consciencializemos de que existe um RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados) e de que há situações que nunca, jamais, em tempo algum, devem ser expostas via web. Situações de intimidade são para manter fora do streaming e mesmo na divulgação pós-celebração, só deve ser lançada para as plataformas digitais de modo consentido e com um propósito específico.

Não nos podemos esquecer que evangelizar através dos meios digitais segue uma série de pressupostos que são os mesmos do evangelismo em pessoa. Portanto, precisamos de escolher bem que tipo de conteúdo vamos divulgar e compreender a sua relevância para os nossos alvos. O contenuto aggiornato (conteúdo atualizado) deve ser refletido não apenas na quantidade de posts que fazemos, mas também no tipo de assuntos que focamos. Se queremos utilizar um tópico social corrente ou assunto em voga (ou uma trend, como pode ser denominado) não o devemos fazer com muito tempo de distância. E é fulcral que esse tópico seja sempre levado à Palavra, de modo a apontar para Cristo como nossa esperança e redenção.

Qualquer estratégia missional online deve levar o interlocutor a compreender 3 coisas. Em inglês, denomina-se de ABC Strategy (estratégia ABC):

·         Admit that I am a sinner

·         Believe the Gospel

·         Confess Jesus is Lord

Traduzindo para português: admitir que é um pecador, crer no Evangelho e confessar que Jesus é o Senhor.

Por fim, o que aqui foi partilhado não é uma receita. É um conjunto de boas práticas e de estratégias comumente seguidas. A receita para cozinhar tem de ser pensada, escrita e testada pelas igrejas locais e por quem utiliza os meios virtuais com um fim de efetuar missão. Não há estratégias iguais para todos, há metodologias básicas e comuns, mas sempre sujeitas a adaptação, tal como no campo missionário. Não realizamos o mesmo tipo de ações numa aldeia que numa grande cidade. Tal como não vamos aplicar o mesmo tipo de estratégias com o objetivo X, se essas estratégias são mais voltadas para o objetivo Y.

E lembram-se… espaço para errar, aprender, melhorar. Ninguém faz nada bem à primeira e apesar de podermos aprender muito com realidades externas (neste caso aprendemos imenso com os EUA), dado que o tipo de sociedade é diferente, a cultura é distinta e mesmo a linguagem é outra, não vamos conseguir aplicar as estratégias de A, B ou C com a mesma efetividade que os seus criadores. Precisamos de adaptar e aplicar consoante as necessidades que encontramos, para que em tudo Cristo seja glorificado.

Ricardo Rosa


in Novas de Alegria, setembro 2020

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