A Ditadura da Felicidade

Photo by Julia Avamotive

“A indústria da felicidade, que movimenta milhões de euros, garante transformar os indivíduos em pessoas capazes de dominarem os seus sentimentos negativos, e de tirarem o melhor partido de si próprias por meio do controlo completo dos desejos improdutivos e dos pensamentos derrotistas. Porém, não estaremos perante um novo ardil que visa convencer-nos, uma vez mais, de que a riqueza e a pobreza, o êxito e o falhanço, a saúde e a doença são única e exclusivamente da nossa responsabilidade? E se o propósito da chamada ‘ciência da felicidade’ for a criação de um modelo social individualista que renega qualquer ideia de comunidade?”1 Estas são as questões a que os autores do livro A Ditadura da Felicidade (Temas & Debates - Círculo de Leitores), Edgar Cabanas e Eva Illouz, tentam responder.

Na verdade, a nossa sociedade vive nesta busca pela felicidade. Este é um conceito tão vulgarizado e é considerado normal de tal modo que nem paramos para pensar acerca de uma certa pressão para sermos felizes a todo o custo…, mas, de que felicidade estamos a falar? E o que é a verdadeira felicidade? 

Edgar Cabanas afirmou numa entrevista: “A psicologia positiva afirma que independentemente disso tudo, qualquer pessoa depende só de si para atingir a felicidade. É uma mensagem que aparentemente é muito empoderadora, mas tem muitas consequências, uma delas é que está a dizer que, ao fim cabo, se sofres ou és feliz é porque o queres ser. De tal maneira que se consideras a felicidade uma escolha, o sofrimento passa também a ser uma escolha. No fundo, garantem que se as pessoas sofrem, fazem-nos porque querem. Se a felicidade é tão fácil e se os psicólogos garantem ter as chaves da felicidade, então por que razão continua gente a sofrer? Resta concluir que o fazem porque querem e se calhar porque o merecem. Na verdade, esse tipo de discurso que garante que para mudar a tua vida basta mudares tu mesmo, e que não é preciso mudar as tuas circunstâncias nem o teu entorno, é tentador e pode ser popular até nas pessoas mais vulneráveis. Mas sabe-se que mudar não é assim tão fácil, e dificilmente é possível sem alterar as condições em que a pessoa vive.”2

Será que a felicidade ou a infelicidade é uma escolha pessoal? Ou será que depende apenas de fatores externos? E se fosse possível mudarmos por dentro? Por incrível que pareça, as respostas a estas questões (ou a questões similares a estas) já foram respondidas há cerca de 2000 anos.

A tentativa de encontrar o verdadeiro significado, propósito e realização vai-se fazendo pela vida fora. Seja através de uma carreira ascendente. Do casamento com o “par perfeito”. Daquilo que se faz em prol dos menos favorecidos. Da fama, do poder, do dinheiro, do prazer. Mas, quando alcançamos aquela posição na empresa, quando nos comprometemos a viver a dois, quando o sucesso financeiro chega, o sorriso daqueles que ajudámos nos mima ou somos estrelas procuradas pelos paparazzi, o “efeito lua-de-mel”, entretanto passa... e volta a insatisfação. E… quantas vezes procuramos que Deus ou a igreja simplesmente satisfaça os nossos desejos, tipo génio da lâmpada? Ou vamos a Jesus na expectativa daquilo que Ele nos dá, como se de um médico de emergência se tratasse? Ou procuramos quem pregue apenas coisas que nos façam sentir bem?

De facto, andamos de um lado para o outro à procura de não sabemos bem do quê. Esta busca que vem desde sempre agarrada ao vazio insatisfeito de cada ser humano é um anseio pela água que mate a sede de paz, pelo pão que sacie a fome de alegria.

Foi o que aconteceu com a mulher samaritana. Depois dum encontro com Jesus, aquela mulher entende que finalmente achou aquilo que precisava, mas não imaginava. “A mulher disse: Eu sei que há de vir o Messias, chamado Cristo, e que quando vier nos explicará tudo. Então Jesus disse-lhe: Sou eu o Cristo. (...) A mulher deixou o balde junto ao poço e, voltando para a aldeia, disse a toda a gente: Venham ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Não será ele o Messias? Então o povo veio a correr da localidade para o ver.” (João 4:25-26, 28-30, OL). 

Noutra ocasião, Jesus disse: “O pão verdadeiro é uma pessoa: é aquele que foi enviado do céu por Deus e que dá a vida ao mundo. (...) Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá fome. Quem crê em mim nunca terá sede.” (João 6:33 e 35, OL) Jesus é Aquele que satisfaz a nossa alma sedenta, o nosso coração esfomeado. Ele é o caminho que nos leva ao Pai (João 14:6). E, quando arrependidos das nossas escolhas erradas, dos nossos pecados, e desejosos de viver uma vida transformada por Ele, O seguimos, faça chuva ou faça sol, sabemos quem somos, onde estamos, de onde vimos e para onde vamos.

Nas bem-aventuranças (Mateus 5:3-12) Jesus revela o carácter que todos os que O seguem devem ter. O carácter é o que somos demonstrado no que fazemos. É o nosso interior refletido nas nossas atitudes. São oito características essenciais para todos os Seus discípulos: ser mansos e bons para com os outros, humildes de espírito e limpos de coração, chorar e ter fome, procurar a paz e até sermos perseguidos.

Bem-aventurado significa feliz ou mais que feliz. Jesus promete que quem O segue e tem aqueles oito “condimentos” na sua vida, é mais do que feliz. Reparem que Jesus não disse que nos vamos sentir felizes. Os sentimentos são variáveis e incertos. Mas, como pessoas nascidas de novo que buscam a Deus continuamente, somos mais do que felizes. Eu diria mais – é a alegria do Senhor que transborda do nosso interior e nos dá a força para viver dia a dia (Neemias 8:10).

O verdadeiro cristianismo não está baseado nas circunstâncias, nas comodidades ou gostos pessoais, mas depende, sempre e em primeiro lugar, de Deus e da Sua vontade – que é boa, perfeita e agradável (Romanos 12:2). Cristianismo de conveniência ou consumista não existe, porque somos nós que seguimos Jesus e a Sua Palavra e não o oposto. É Cristo que dá sentido e propósito à nossa vida e não as coisas que Ele nos dá. Se conseguirmos interiorizar esta verdade, a nossa forma de ver a vida (e de vivê-la) mudará. Não ignoramos as circunstâncias tentando viver fora da realidade, mas apesar das circunstâncias, temos alegria, paz e esperança. Não precisamos de ter algo mais, algo exterior a nós para sermos felizes, porque somos mais do que felizes em Cristo. Não somos reféns nem escravos do que nos rodeia, nem temos de viver na expectativa de ter isto ou aquilo para cumprimos um padrão social de felicidade ou vivermos frustrados por não atingirmos o patamar esperado. Somos livres em Cristo para viver para Cristo, e depender Dele, com toda a simplicidade. Não somos escravos do nosso “eu”, mas submetermos de forma voluntaria e amorosa a nossa vida àquele que já deu a Sua por nós (Romanos 12:1-2).

Temos algo inigualável que Jesus ganhou para nós na cruz – a Salvação. Temos cá dentro a certeza que nos dá paz e tranquilidade – somos filhos de Deus (Romanos 8:16). Temos a alegria do Senhor, que é a nossa força, sejam quais forem as circunstâncias. Uma alegria presente, cá dentro, que só Ele nos pode dar. Somos livres para ser mais do que felizes – alegres no Senhor!

Ana Ramalho Rosa

 

1 CABANAS, Edgar e Eva Illouz, A Ditadura da Felicidade, Temas & Debates - Círculo de Leitores, Sinopse; 2 DE ALMEIDA, Nuno Santos, “Edgar Cabanas. ‘Mais que uma ilusão, a felicidade é uma realidade dececionante’”, Contacto, publicado a 6 de novembro de 2019, www.wort.lu, consultado a 16 de novembro de 2020

Fontes consultadas - STOTT John, Contracultura Cristã - A mensagem do Sermão do Monte, ABU; LEWIS C.S., Cristianismo Puro e Simples, Martins Fontes; LLOYD-JONES Martyn, Estudo no Sermão do Monte, Editora Fiel; KIDNER, Derek, Esdras e Neemias, Série Cultua Bíblica, Vida Nova e Mundo Cristão 

in Novas de Alegria, fevereiro 2021  

Comentários