Contra factos não há argumentos

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Se ainda não demos por isso, talvez seja boa hora para que o admitamos: vivemos numa sociedade e num planeta em decadência. O pecado tem vindo a destruir e a danificar a condição humana (Romanos 5:12) e o meio que a envolve (Génesis 3:14-19). Se Deus criou o ser humano com um propósito, o de O glorificar e viver perante Ele em gozo e alegria contínuos (Salmo 73:23-28, Isaías 60:21), conseguimos rapidamente perceber que hoje (e desde há muito) isso não acontece…

Hoje, por força do mundo focado na questão dos factos (o famoso fack checking que órgãos como o Polígrafo fazem), existe uma necessidade do ser humano em se ancorar em dados que sejam validados por experts (seja de que área for). E esta necessidade é transversal aos vários sectores da nossa vida: profissional, lazer, espiritual, etc.


Como é que estes factos nos trazem segurança? Bem, já diz o ditado que “contra factos não há argumentos”. Contra algo provado ou que faça cientificamente sentido, o modelo científico que procura testar continuamente uma hipótese, no sentido de verificar se a mesma se repete mediante dados padrões e é, por conseguinte, verdadeira, é então visto como boia de salvação num mar agitado por notícias falsas, caos, desregulação social e tudo o mais que desejemos englobar.

Se as ditas ciências exatas (aquelas que como a Matemática, Física, Química - por exemplo - permitem testar exaustivamente uma hipótese e verificar se é ou não confiável) possibilitam algum descanso porque chegam a conclusões acertadas, as ciências sociais e humanas já são um polo de maior desconfiança. Porquê? Num exemplo claro e básico, podemos olhar para o que hoje parte das ciências sociais defende a nível de género e identidade sexual, que entra em conflito com aquilo que as ciências exatas demonstram (através de ensaios, provas, testes). A questão do género é gritante. Enquanto a Medicina nos define sexualmente através de vários pontos exatos como a anatomia; os níveis de testosterona, progesterona ou estrogénio; os pares de cromossomas (sexo feminino com cromossomas XX e o masculino com XY); a Sociologia e a Antropologia (por exemplo), procuram definir a sexualidade do ser humano de acordo com o modo como este se sente, vê ou procura integrar na sociedade. Em termos científicos não há consenso entre ambos os polos. Ciências exatas definem A, ciências sociais e humanas definem B. Como é que entra isto dentro do Cristianismo?

Como seres sociais (basta ler do 5º ao 10º Mandamento para compreendermos biblicamente que somos seres que se devem relacionar uns com os outros, além de Deus), somos impulsionados e influenciados por quem nos rodeia. Se vivermos num meio onde predominem teorias, sejam de que base for, que excluam Deus da vivência do ser humano, tendencialmente seremos confrontados com essa luta.

Em primeiro lugar, não devemos (nem podemos, sob pena de cairmos no ridículo) demonizar a Ciência. Ciência é procura, testagem e obtenção de resultados e conhecimento. Ciência não é doutrina pela qual devamos regrar a nossa vida. E tal como a Bíblia não é um livro científico, a publicação científica não é um conjunto de livros divinamente inspirados, úteis para ensinar, corrigir e instruir em justiça, ao contrário da Bíblia (2ª Timóteo 3:16). A Teologia ensina-nos o porquê das coisas, a Ciência tenta explicar-nos como essas coisas acontecem.

Há diferenças que parecem ser irreconciliáveis? Há. E a elas devemos aplicar o princípio de Deuteronómio 29:29. Deus não revelou ao ser humano tudo aquilo que ele quer saber. Aí assenta a ligação ao que Paulo chama “mistério”, ou seja, coisas que não compreendemos totalmente, mas nas quais cremos por fé, visto que é a fé e não o facto que liga o ser humano a Jesus Cristo “Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos.” (2ª Coríntios 5:7, NVT; ler também 1ª Timóteo 3:9, 1ª Pedro 1:9, Lucas 18:42). A Ciência (seja do domínio exato ou social-humano) lida com a realidade dentro dos limites do que é natural. Deus é a realidade sobrenatural que fez e rege todas as coisas (Salmo 50:1, Isaías 40:28). Não se mede no tempo porque é intemporal (Salmo 45:6), não O podemos colocar debaixo de um microscópio ou analisar as Suas células. A Ciência não dita quem Deus é, Ele não tem medo da Ciência, logo nós não devemos ter medo também.

Mas como demonstramos então a fé no meio científico? Sendo bons profissionais e investigadores como Paulo encoraja Tito (Tito 2:9-10), sendo honestos e procurando cumprir a função em mãos como meio de servir a Cristo (Colossenses 3:22-25). Cimentando a nossa fé no que é inabalável (Mateus 7:24,25), procurando estar firmes (1ª Coríntios 16:13) doutrinariamente e na nossa vida cristã (Efésios 6:13). E em tudo isto, tem de existir um suporte e um apoio da igreja local. É na igreja local que começa o trabalho de fomentarmos bons investigadores, ao estimularmos todos a imitarem os crentes de Bereia, que não se limitavam a ouvir, mas procuravam constatar nas Escrituras se o que ouviam era ou não correto (Atos 17:11).

Não podemos ter medo da Ciência e muito menos devemos ter receio de admitir que somos seguidores de Jesus Cristo. Não são pontos que se proíbam mutuamente. Francis Collins e John Lennox encabeçam uma lista de pensadores e de cientistas que nos devem animar. Temos em mãos uma geração que ainda pode falar livremente da sua fé. Devemos procurar animar essa geração e fortalecê-la, para que não sejam ventos de doutrina que não são soprados pelo Espírito Santo, que venham a abaná-la e fazê-la tropeçar. E como nota final, recordarmo-nos de Lucas e dos seus escritos. O Evangelho segundo Lucas e Atos dos Apóstolos, ambos inspirados por Deus, ambos escritos numa perspetiva de investigação, ambos escritos por um médico, ambos escritos para a glória de Deus.

Ricardo Rosa

In Novas de Alegria, abril 2021 

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