Quando menos é mais

Aoshi, 26 anos, negociador de títulos na Bolsa de Tóquio, coloca a chave à porta de casa. Ao entrar, respira fundo e contempla o espaço em vazio, que outrora fora ocupado por várias mobílias estilo chic da Harvey’s. Não se sente desapontado, ao invés, o espaço livre permite-lhe respirar e fazê-lo sentir-se menos preso ao espírito consumista que alastrou pelo seu país.

Por oposição à corrente de consumo desenfreado, o Japão vive atualmente tempos de minimalismo. Divisões amplas menos mobiladas, menos apetrechos tecnológicos, maior simplicidade nas posses. Um caso a ter em conta…



O QUE SERÁ QUE ISTO QUER E PODE DIZER À IGREJA DE HOJE?
Não é segredo que vivemos numa sociedade consumista, onde o acesso ao crédito para consumo e o maior fornecimento de equipamentos ou bens de lazer estão impregnados. O Natal, aquele acontecimento especial que marca o nascimento de Jesus, tornou-se um acontecimento vincadamente comercial, com direito a anúncios e promoções próprias. A Igreja tem-se deixado volver e envolver nesse espírito, muito por força dos hábitos adquiridos pelos Cristãos de hoje. De facto, uma sociedade de consumo imediato, tem que ser saciada constantemente e isso só é possível quando de modo constante se transacionam coisas. Desde os últimos modelos de smartphones a portáteis de determinada marca, carros, mobília, serviços como o Netflix ou o Hulo… Tudo isso têm sido extras, algo incorporado à nossa vida, que com o objectivo de facilitar acaba por a tornar mais complicado, tamanha é a dependência que se gera.

No entanto, esta onde de minimalismo é um reflexo de que as coisas não existem para sermos escravos delas, mas pelo contrário, podem (e devem) ser bênçãos de Deus e usadas para O servir. No relato de Atos dos Apóstolos, Lucas dá o exemplo do cipriota Barnabé, que tendo uma propriedade, vendeu-a e entregou o valor total da venda aos Apóstolos (Atos 4:36-37). E aqui percebemos como menos se tornou mais. Barnabé tornou-se menos rico, para poder ser mais uma bênção para a Igreja. Lemos ainda que a comunidade cristã de Jerusalém vivia num espírito de união e partilha, de interajuda e dependência de Deus. A tal ponto, que é dito que “todos tinham tudo em comum” (Atos 2:42-45, 4:32).

MAS SERÁ QUE DEUS ADVOGA O ESPÍRITO COMUNITÁRIO?
Em primeiro lugar precisamos de perceber que Deus não defende a doutrina marxista no que toca à propriedade privada (a abolição quase forçada). Mas Ele quer que usemos aquilo que Ele nos dá, não para ser um fim em si mesmo (como ensina o feroz capitalismo atual), mas para servir de bênção. Por isso, é fácil encontrarmos várias figuras do Cristianismo que subscreviam um estilo de vida asceta, como o de João Baptista. Este vivia no meio selvagem, não se ornamentava com filactérios ou belas túnicas. Pelo contrário, vestia-se de modo rude e alimentava-se de mel e gafanhotos. Se o compararmos a um doutor da Lei ou a um escriba, claramente que João Baptista teria “menos” aos olhos da sociedade. No entanto, esse menos é aquilo que na realidade vale como mais. Passo a explicar… O que João Batista tinha a menos eram coisas, bens, tesouros que apodrecem na Terra. Por outro lado, era a sua ligação a Deus que levava sinal mais. O mesmo diriam cristãos como David de Gales ou Francisco de Assis. O bem maior que Aristóteles e Kant definiram não se encontra em ser feliz e virtuoso em simultâneo, encontra-se em viver uma vida justa, em comunhão com Deus e de acordo com o exemplo de Jesus. Em suma, o bem maior trata-se da junção do conhecer Deus e viver com/para Ele, tal como Tomás de Aquino sintetizou.

É a partir desta síntese de Aquino que devemos recordar o exemplo de Jesus Cristo. Sendo Deus, voluntaria e temporariamente abriu mão da condição de Rei para como servo apresentar o Evangelho. Jesus “empobreceu” ao encarnar, pois abandonou de modo temporário a glória na presença de Deus (Filipenses 2:7-8), para nos “enriquecer” com a Sua vida, o Seu Evangelho e com a bênção da Salvação.

É esse enriquecimento que a Igreja deve buscar. O saber viver com muito e saber viver com pouco, mas sempre dando graças a Deus, tal como Paulo (Filipenses 4:12-13). O minimalismo do ponto de vista cristão não se prende com o deixar de ter ou comprar coisas. Prende-se com o confiar em Deus e na Sua graça para termos o nosso sustento, seja através do trabalho, seja através da generosidade dos nossos irmãos na fé, e não em seguir o caminho fácil através do Euromilhões, da Lotaria ou do Placard, ou de meios ilícitos tendo em vista um fim que nunca chega – o ter mais, mais e mais.

Ter menos para vir a ter mais, é um chamado a uma vida simples, humilde, sem megalomanias. Ter menos para ter mais é juntar tesouros onde governos, impostos, assaltantes ou o simples passar do tempo não danifiquem o que juntámos. Ter menos para ter mais começa cá dentro, no âmago do coração do Homem. Porque é aí que Deus opera em primeiro lugar. A metanoia (ou mudança de comportamento) nunca começa por fora, mas começa sempre por um ser ceder o seu ego, tornando-se menos para poder vir a ser mais ao ser reconstruído por Deus. É algo semelhante a esta ideia que Paulo defendeu quando disse: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20a).

É também para isso que somos chamados, para viver um Cristianismo “puro e simples” (relembrando C.S. Lewis), uma relação com o Deus Triuno baseada no reconhecimento de que por nós nada somos, por muitas riquezas que tenhamos… Só tendo menos do nosso ego em nós, vai permitir que Deus tenha mais do Seu “ADN” em nós.

Ricardo Mendes Rosa

in revista Novas de Alegria, dezembro 2016. Texto escrito conforme o novo acordo ortográfico

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